sábado, 12 de dezembro de 2009

Corpo e Gênero - Por Amanda Cinelli



Corpo e Gênero

A afirmação de gênero pelos indivíduos é sempre uma questão delicada. Nos padrões estabelecidos pela sociedade é quase inevitável a generalização dos gêneros masculinos e femininos.

Antes de mais nada, é preciso entender que o sexo refere-se às questões biológicas, de aparelhos reprodutores, e o gênero se refere a questões mais amplas e de construções sociais. No entanto, para a sociedade atual ainda é difícil entender gênero distintamente do sexo. Ou seja, é difícil a aceitação de homens ou mulheres que se vêem como sendo do gênero oposto.

Assim, institucionalizou-se o feminino como mais vaidoso, delicado, sensível. Enquanto o masculino se tornou forte, agressivo, geralmente questões que revelam um poder de dominação. Mas nem sempre é assim. Sendo o corpo um grande demarcador de identidade, ele é modificado ou adornado para representar os valores de gêneros com o qual nos identificamos. Com isso podemos ter homens que se consideram mais femininos e mulheres mais masculinas. Dessa forma, o corpo assume papel fundamental na afirmação daquele indivíduo como participante de determinado gênero.

Estando bastante distante do padrão feminino esperado, na década de 90, o Brasil noticiou a judoca paraibana Edinanci Silva que teve que provar sua feminilidade perante o mundo para poder competir nas Olimpíadas de Atlanta em 1996.

Edinanci nasceu hermafrodita, ou seja com características dos dois sexos, não tem seios, nunca menstruou e na época se submeteu a duas cirurgias, uma para retirada de testículos (e então diminuir a produção de testosterona) e outra de reconstituição do clitóris, para poder ser aceita nos jogos.

Ainda assim, na época algumas competidoras se recusaram a lutar com ela e mesmo ultrapassando diversos preconceitos ela ainda possui um pouco do estigma de “mulher-macho” devido a sua aparente falta de feminilidade, causada pelos cabelos sempre curtos, falta de maquiagens e o não uso de saias.

Entendemos então que a questão do gênero ainda está muito ligada ao sexo do indivíduo. Mas mesmo assim sua aparência corporal ainda tem predomínio no reconhecimento de gênero pela maioria da população.

O Prazer sexual por intermédio de Tecnologias e Técnicas - Por Renato Reder



"Nossa espécie já aumentou a ordem "natural" de nossas vidas por meio de nossa tecnologia: drogas, suplementos, peças de reposição para virtualmente todos os sistemais corporais e muitas outras invenções. Já temos equipamentos para substituir nossos joelhos, bacias, ombros, cotovelos, pulsos, maxilares, dentes, pele, artérias, veias, válvulas do coração, braços, pernas, pés e dedos." - Ray Kurzweil.

Hoje tudo parece estar caminhando para que o parceiro sexual seja o próximo a ser substituído. A necessidade de um outro indivíduo para obter prazer sexual se faz cada vez menor frente a um crescente aprimoramento de técnicas e tecnologias desenvolvidas para que se atinja o prazer e orgasmo sozinhos.

Nas Sex Shops (virtuais ou não) a concentração de itens para o orgasmo individual é massiva. São estimulantes femininos, estimulantes masculinos, mastubadores femininos (em cápsulas, ou em forma de ovos vibratórios a prova d’água, ou duplos), masturbadores masculinos (com vibrador ou sem vibrador), retardantes de ejaculação sob forma de camisinhas ou óleos, estimuladores anais com vibração ou sem vibração, etc. Isso sem mencionar a entrada de itens cada vez mais hi-tech no mercado com direito a luzes neon, controle-remoto e integração com celular ou computador.

Frente a isso, atingir o orgasmo com um parceiro torna-se somente mais uma opção dentro do enorme leque de itens disponíveis. Há quem defenda esse quadro como uma espécie de libertação, de evolução da espécie. Eliminar a necessidade do parceito praticamente anula a possibilidade de transmissão e contágio de doenças sexualmente transmissíveis.

Por outro lado, nossos corpos se desenvolveram em uma época muito diferente. Nossa relação com prazer e sexo é muito particular e varia de pessoa pra pessoa. A otimização de substâncias e itens afim de proporcionar pressupõe uma duvidosa padronização ou unidade em relação aos seus usuários que tende a ser problemática. Cada corpo é absolutamente distinto em relação a outro. As formas, traços, linhas, contornos... as abstrações, sensibilidades, limiares de dor e prazer são únicos. Pressupor unidade nesse caso soa dramático. Não se sabe se haverá a curto ou longo prazo ou quais as consequências dessas práticas.

Aprimorar o que é normal, uniformizar o que é diverso, substituir ou eliminar uma necessidade da natureza humana dá margem a uma interminável discussão sobre o ético.
Não há limite porque não há regras, e não há regras porque a sociedade não discute a questão.

Por Pedro Félix



Anúncio retirado de: http://www.futurocomunicacao.com/vitasport/blog/wpcontent/uploads/2009/04/emkt-oxygen-web3.jpg
“Nosso corpo é uma máquina e sua performance depende diretamente do que ingerimos.” A organicidade já se foi superada pela abordagem dos anúncios dos produtos da engenharia biocientífica, qual uma máquina industrial cuja razão de existir seria obter uma produtividade máxima no sentido físico (fisiológico), o corpo humano é apresentado cada vez mais a novas substâncias e técnicas manufaturadas que prometem elevar seu potência sem a necessidade de um esforço prosaico, mas sim a partir de mecanismos que tem ação intra-estrutural (genética) – “Radical energy intracellular matrix”.
O produto da propaganda acima é um suplemento alimentar que, conforme o anúncio, “...foi desenvolvido para a raça humana...” e encontra razão de existir na constatação de que: “No século 21 performance se tornou o ponto principal de nossas vidas.” A proposta desse item já atenta também para o público fora do campo do fisioculturismo e do esporte, ao contrário dos suplementos que fazem a cabeça dos vigoréxicos. São as pessoas no campo das relações sociais, a imagem pública como um novo espetáculo. Em um aspecto importante este exemplo de marketing segue uma orientação diferente da tendência contemporânea do culto ao corpo – não é apenas aquela ostentação dos músculos como elemento de uma carapaça invulnerável, um escudo e uma ferramenta de ataque do atleta, é o corpo na sua produtividade mecânica exterior, a imagem da sua intervenção no espetáculo cotidiano (tanto braçal quanto intelectual) -, porém não foge da pós-organicidade, do caráter fáustico que propõe um movimento que age da essência formadora e biológica, assim como outrora agia nas engrenagens e matrizes do hardware dos dispositivos mecânicos da era industrial.
Um princípio de fundamentalismo pró “boa-forma” do corpo é identificável em quase todas imagens que representam os artefatos da biociência moderna.

Bibliografia:

1. COURTINE, Jean-Jacques. “Os Sthakhanovistas do narcisismo”. In: Communications, nº 56, 1993.
2. COSTA, Jurandir Freire. “O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo.”
3. COSTA, Jurandir Freire. “A personalidade somática de nosso tempo”. In: O vestígio e a aura: Corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2004; p. 185-202.
4. SIBILIA, Paula. “O homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais.” Rio de Janeiro: Ed. Relume Dumará, 2002.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Por Tiago Rubini

Les Mills é como se chama a empresa de Leslie Roy Mills.

As séries Body System, modalidades de exercício físico muito populares em academias ao redor
do globo, inclusive da América Latina, dos Estados Unidos e da China, são o que esta empresa
comercializa. Exemplos destas séries são o Body Pump e o Body Combat.

Construindo um projeto pigmaliônico, Leslie Mills utiliza de seu carisma e tato para os negócios para sugerir um estilo de vida livre do sedentarismo. E ser sedentário, segundo Les Mills, além de ser mau para a saúde pessoal, também é corroborar com o declínio do meio ambiente.

O empresário tem um currículo e tanto: já foi atleta olímpico pela Nova Zelândia e prefeito de Auckland, a região metropolitana deste país com a maior concentração de capital financeiro.



No video publicitário a respeito do livro que Philip e Jackie Mills, filho e nora de Leslie, escreveram a quatro mãos, um narrador descreve a Terra em "termos humanos". O best seller se chama Fighting Globesity. Ele diz que como um atleta, o planeta está em forma (fit), em equilíbrio e funcionamento pleno. Relaciona, em seguida, a poluição, o consumo exacerbado e a produção excedente de lixo à obesidade, chamando a atenção para a dificuldade que é reverter um quadro grave. A construção semântica das imagens deste video, coerente com a narração, alterna cenas de destruição ambiental e de adultos obesos comendo ou simplesmente andando pela rua.





O evidente alinhamento da série Body Systems com a bioascese, conjunto de valores que sustenta os dogmas contemporâneos da qualidade de vida, está conectado com a sua comercialização. A estética publicitária da Les Mills flerta com a publicidade de produtos feitos para jovens. Pessoas muito felizes, com disposição e estimuladas figuram nas campanhas das séries de exercício Les Mills.




America’s Next Plus-Size Full-Figured Model - Por Felipe Lopes



O mundo das modelos apresenta padrões de corpos muitas vezes destoantes da grande maioria de pessoas que consomem a moda. Existe um ideal que combina altura mínima, peso e idade máxima, além da beleza. As modelos femininas possuem corpos ainda mais extremos na representação de magreza. Entretanto, há outro conceito de modelos cada vez mais aceito: o de Plus-Size Models, modelos acima do peso, mas ainda assim dentro de padrões. A altura mínima é ainda maior que o das modelos magras, há uma necessidade maior de uma boa estrutura óssea e uma pele perfeita.
As modelos plus-sized, apesar de presentes em diversos lugares do mundo, ganharam maior destaque nos Estados Unidos. O fato de o país ser campeão em pessoas acima do peso contribui para essa reestruturação de nicho nos moldes de corpos. Vale ressaltar que este padrão de modelos não muda o conceito de “modelo”, mas é apenas uma segmentação de moda que não exclui o padrão que ainda é predominante de modelos magérrimas. Isso torna interessante a representação de ambos os tipos de modelo na mídia, incluindo nos mesmos veículos de comunicação. O programa “America’s Next Top Model”, reality show onde aspirantes a modelo buscam um contrato com uma agência e ser capa de uma revista.
O programa, apresentado pela top model Tyra Banks, sempre reforça a intenção de quebrar padrões de moda; a própria Tyra sofreu preconceito por ser negra e não estar enquadrada neste padrão. Com isso, vemos no programa modelos de diferentes biótipos disputando o título de próxima top model americana. E durante 10 temporadas, modelos magras e plus size foram consideradas com o mesmo potencial. Mesmo potencial que não pode ser constatado no número de participantes. São 13 participantes por temporada. E apenas em 13 temporadas, foram menos de 10 modelos consideradas plus size competindo, geralmente uma por temporada.
E aí houve uma nova imposição de padrões. A melhor modelo acima do peso, Toccara Jones, ficou em sétimo lugar na temporada que competiu. O cenário de reality show, onde a ideia de diversidade prepondera sobre os julgamentos reais, contribui para sua eliminação. Toccara participou da temporada em que duas modelos negras chegaram à final. Consequentemente sua cor da pele a prejudicou, uma vez que se observa um padrão de etnias diferentes na fase final do programa, contando com modelos negras, loiras, morenas e ruivas. Nunca se observa tantas meninas do mesmo estilo na final e, no julgamento, o peso de Toccara foi fundamental para que ela fosse preterida em relação a outras competidoras. Entretanto, o programa abriu portas para a modelo que entrou no mercado e foi a primeira plus-size negra a posar para a revista Vogue Italiana.

O programa apresentou ainda outra questão em relação às modelos acima do peso: o padrão acima do peso. Padrão este que é abaixo do que se observa na realidade. Meninas plus-size não são obesas, ou sequer gordas. Elas apenas não se enquadram no padrão 0 das modelos convencionais. E elas possuem uma faixa de peso a seguir. Não pode ganhar peso livremente e não pode ficar no caminho entre modelo magra e plus-sized. Sarah, participante da nona temporada de ANTM, foi eliminada justamente por ter emagrecido no programa. Isso denota uma visão contraditória, uma vez que as modelos que lutam contra padrões que levam a tantos distúrbios alimentares, também se submetem ao controle e a um regime de disciplina para se enquadrar em outro padrão pré-estabelecido de corpo. Não é a liberdade, é apenas outro molde que deve ser mantido. É um “desvio de peso aceitável”.

Esse controle de peso se torna mais evidente quando encontramos a única vencedora plus-size de ANTM. Primeiramente, o termo plus-size foi mudado para “full-figured”, um eufemismo que tira a ideia de “tamanho extra” para o de “figura completa”. Essa mudança morfológica interfere na percepção do público. O conceito anterior não se associa ao ideal de sucesso. A top model é um padrão confrontado com o de plus size, por isso um sinônimo que atenua. E na escolha da top model vencedora, vemos padrões reforçados de beleza. A campeã Whitney Tompson é branca, loira, cabelos lisos e compridos, padrão considerado belo no senso comum. Mais que isso, Whitney está no limite mínimo do “full-figured”, após ter engordado para participar do programa.

A padronização para outro estilo de modelo demonstra mais uma segmentação que busca identidade com um público que não se afina com as modelos magérrimas. Esse mercado se firma cada vez mais com agências exclusivas a este tipo de modelos. Entretanto não é realidade em todas as partes do mundo; o Brasil, por exemplo, não aceita modelos acima do peso seja nos reality shows, seja em agências. Mais que isso, as diferenças no mundo das modelos são pontuais. Deve haver um equilíbrio entre o que destoa dos moldes no mundo fashion e outros atributos. O próprio America’s Next Top Model mostra diferenças que são aceitáveis dentro de um limite. Há, nisto, uma ideia de projeção do público naquelas competidoras, o que aumenta o sucesso do programa. O último ciclo, inclusive foi composto por outro padrão diferente: modelos abaixo de 1.70m. E lá não há nenhuma menina acima do peso ou com outra particularidade; a altura já é a diferença.
O que podemos analisar desta representação é, também, um ato conservador. O que poderia ser um incentivo a aceitação das diferenças, reforça o ideal de beleza, adaptado a diferenças inerentes a corpos que não se enquadram em padrões. E, assim, meninas acima do peso apreciam esse apelo midiático e consomem as tecnologias que podem torná-las bonitas e transforma-las em “figuras completas”.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Substitutos - Por Paula Chaves



Na Era pós-moderna, é possível intervir no corpo se os pensarmos como softwares. É possível “consertar” o corpo mecanicamente, de fora para dentro, ou geneticamente, de dentro para fora. A busca pelo corpo perfeito é almejada por grande parte da população, que utiliza cirurgias plásticas para tentar ter um corpo dentro do padrão de beleza e juventude exigidos pela sociedade. A tecnociência esta cada vez mais evoluída. Uma de suas últimas descobertas foi uma maneira de fazer com que um macaco mova um braço mecânico apenas com a mente.
Utilizando-se dessas informações, o filme “Substitutos” vai além desse raciocínio e cogita que, em uma realidade futura, nós seríamos capazes de viver através de um clone nosso controlado mentalmente. Enquanto o indivíduo – chamado de operador - estaria em estado vegetativo dentro de casa, em uma espécie de “coma”, o nosso substituto – assim são chamados os clones – estaria nas ruas trabalhando, comendo, passeando, etc. Ou seja, vivendo pelos humanos. Os operadores não deixariam de sentir as atividades, apenas se privariam do risco que correm saindo nas ruas atualmente. Em qualquer caso de perigo, não seria necessário se preocupar, pois se o substituto se ferir ou morrer, não afetaria o operador em nada. Bastaria apenas comprar outro “robô” e substituir o ferido por outro novo, perfeito. Esta seria a grande vantagem da utilização de substitutos, a segurança. Tal vantagem é umas das grandes preocupações existentes hoje, visto que se vive em uma sociedade de risco. Não é mais a busca da normalidade que vigora, como na Era Moderna. Agora o indivíduo é guiado pelo risco – de morrer, ficar doente, etc.

O excessivo culto do corpo, onde a beleza, a juventude, e o bem-estar são necessários, também se mostram presentes no filme. Uma característica almejada por grande parte da população e que se torna possível no filme é a possibilidade da pessoa “photoshopar” seu próprio corpo, visto que os substitutos são artificiais e podem apresentar qualquer tipo de aparência desejada, e muitas vezes são versões melhoradas dos humanos que os controlam. Na sociedade em que 90% da população que sai nas ruas são clones, as pessoas ficam visivelmente mais bonitas, ou seja, com a aparência jovem, polida, esbelta e lisa.
Mas, na trama do filme, os humanos que são contra os substitutos criam uma arma capaz de matar as pessoas, e traz a tona novamente a atmosfera de perigo. Com esta arma, se o substituto morre o humano que o controla morre junto. Dessa maneira, toda a idéia inicial de se ter um clone é questionada, pois a segurança, que era a grande vantagem, não existiria mais. O filme traz para a sociedade atual, de caráter fáustico, uma reflexão sobre os limites da tecnociência. Até que ponto se pode ir para aperfeiçoar e garantir qualidades como a segurança e a beleza?

Trailer no youtube:

Mil e Uma Identidades – Por Vivian A. de Sousa

“Nosso corpo é o exemplo mais destacado do ambíguo”.

William James


Ciência, tecnologia e biologia formam no cenário pós-moderno um complexo e admirável tripé. O reconhecimento do sucesso de promissoras descobertas capazes de revolucionar a vida do homem garante a ascensão de sua credibilidade.

Sabe-se que a evolução tecnológica alcançada pela humanidade de maneira feroz nos últimos séculos tem conseqüências ainda imensuráveis a olho nu diante da maior parte da sociedade.

Mediante povos de culturas tão diferentes que habitam este planeta, a influência de novas e refinadas tecnologias ganham os mais variados formatos e modulam-se de acordo com seus conceitos e hábitos.

Recentemente este tripé passou a vincular-se com mais intensidade a área da saúde e do bem estar físico dos seres humanos. Seu desenvolvimento foi capaz de criar soluções para doenças e disfunções do organismo a fim de mantê-lo o menos “danificado” possível.

A tendência a exteriorização do que se é fortalece esse processo e ganha ainda mais vigor com a ciência revirando o campo estético. Aparelhos e linhas de produtos desenvolvidos a base do que há de mais moderno no ramo, não moldam só curvas, mas principalmente personalidades.

Vive-se cada vez mais o agora, nada pode ser deixado pra depois, a insatisfação é descartada do dicionário contemporâneo, e assim são criados medicamentos com a fórmula instantânea da felicidade que ultrapassa a barreira do real.

Academias e centros estéticos acompanham a aceleração progressiva do cotidiano de quem vive nas grandes cidades, com o desafio de manter esses corpos de pé e “saciados”.

O hedonismo e o narcisismo são palavras chaves dessa reconfiguração humana, surge outra moral e o poder aparece em instâncias diferentes, à liberação do corpo desperta um resultado paradoxal sobre o comportamento do homem, a repressão não existe mais, a “tortura” agora é uma livre escolha e o que torna o poder forte é o mesmo motivo que antes o condenava.

Os corpos dóceis a que Foucault se refere em seus livros e análises, doutrinados pela sociedade disciplinar, com movimentos exatos e ritmados, seguiam os parâmetros que o contexto histórico exigia na época, a Era da Informação, do homem pós-orgânico, de surtos tecnológicos parece apenas possuir demandas diferenciadas, onde cada um tem paradoxalmente liberdade para doutrinar-se.

A propaganda abaixo é de um Centro Estético Colombiano e está entre as melhores do mundo eleita por um site na internet. Elaborada em 2007, a empresa colocou modelos circulando por bares e boates com camisetas escritas “antes” nas costas e “depois” na parte da frente onde estão seus novos e turbinados seios.

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No caso, o silicone que já é muito comum hoje em dia serve apenas como uma demonstração de tudo o que ainda está por vir. Cirurgias reparadoras, cremes milagrosos, tratamentos instantâneos que tornam o sonho de qualquer um real.

Outro exemplo é a propaganda da sandália Ipanema estrelada pela modelo mais famosa do mundo, a brasileira Gisele Bündchen, com o slogan “Brasil a flor da pele”, mostra um corpo que vai sendo todo tatuado, como se fosse apenas um desenho de fácil traçado sem a carga definitiva que esta tem na realidade.

É como se diante daquele corpo nu fosse possível se inventar e se reinventar quantas vezes desejar. A idéia é poder ser o que quiser. Mas é principalmente poder deixar de ser. Se transformar à medida que for necessário e possível e for múltiplo em prol de sua individualidade. O comercial enfatiza o desejo de liberdade do ser humano de fazer suas próprias escolhas.

A análise de Francisco Ortega em seu livro O corpo incerto é contundente: “O corpo tornou-se o espaço da criação da utopia, um continente virgem a ser conquistado.”

O ímpeto de tornar visível quem somos, ou o que gostaríamos que fôssemos traz certa nebulosidade em torno do que se transforma nossa essência diante de tantas alterações físicas.

A incessante busca pela perfeição, retratada não só pela ciência, mas também pelas ferramentas midiáticas de programas de correção de imagens retocam a realidade corrigindo as mais milimétricas imperfeições até que estas se tornem imperceptíveis e adequadas ao padrão de campanhas publicitárias, capas de revistas ou comerciais de TV.

“Dentro” e “fora” são conceitos que passam a se misturar no que diz respeito às dimensões físicas e subjetivas do ser humano. Corpo e alma, natural e artificial, interior e exterior. Não há mais limites claros entre o ponto de partida e a linha de chegada. Ser tudo, sem ser pra sempre, num eterno renascer de nós mesmos.



Quando tenhamos aliviado o máximo possível as servidões inúteis, evitado os infortúnios desnecessários, restará sempre para preservar as virtudes heróicas do homem, a longa série de males verdadeiros, a morte, a velhice, as doenças incuráveis, o amor não compartilhado, a amizade recusada ou traída, a mediocridade de uma vida menos terna que nossos sonhos: todos os infortúnios provocados pela natureza divina das coisas.

Marguerite Yourcenar








Bibliografia:

Foucault, Michel – Vigiar e Punir

Nietzsche, Friedrich – Genealogia da Moral

Sibilia, Paula – O homem Pós- Orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais

Gardt, Micheal e Negri, Antonio – Império

Ortega, Francisco – O Corpo Incerto