sábado, 12 de dezembro de 2009

Corpo e Gênero - Por Amanda Cinelli



Corpo e Gênero

A afirmação de gênero pelos indivíduos é sempre uma questão delicada. Nos padrões estabelecidos pela sociedade é quase inevitável a generalização dos gêneros masculinos e femininos.

Antes de mais nada, é preciso entender que o sexo refere-se às questões biológicas, de aparelhos reprodutores, e o gênero se refere a questões mais amplas e de construções sociais. No entanto, para a sociedade atual ainda é difícil entender gênero distintamente do sexo. Ou seja, é difícil a aceitação de homens ou mulheres que se vêem como sendo do gênero oposto.

Assim, institucionalizou-se o feminino como mais vaidoso, delicado, sensível. Enquanto o masculino se tornou forte, agressivo, geralmente questões que revelam um poder de dominação. Mas nem sempre é assim. Sendo o corpo um grande demarcador de identidade, ele é modificado ou adornado para representar os valores de gêneros com o qual nos identificamos. Com isso podemos ter homens que se consideram mais femininos e mulheres mais masculinas. Dessa forma, o corpo assume papel fundamental na afirmação daquele indivíduo como participante de determinado gênero.

Estando bastante distante do padrão feminino esperado, na década de 90, o Brasil noticiou a judoca paraibana Edinanci Silva que teve que provar sua feminilidade perante o mundo para poder competir nas Olimpíadas de Atlanta em 1996.

Edinanci nasceu hermafrodita, ou seja com características dos dois sexos, não tem seios, nunca menstruou e na época se submeteu a duas cirurgias, uma para retirada de testículos (e então diminuir a produção de testosterona) e outra de reconstituição do clitóris, para poder ser aceita nos jogos.

Ainda assim, na época algumas competidoras se recusaram a lutar com ela e mesmo ultrapassando diversos preconceitos ela ainda possui um pouco do estigma de “mulher-macho” devido a sua aparente falta de feminilidade, causada pelos cabelos sempre curtos, falta de maquiagens e o não uso de saias.

Entendemos então que a questão do gênero ainda está muito ligada ao sexo do indivíduo. Mas mesmo assim sua aparência corporal ainda tem predomínio no reconhecimento de gênero pela maioria da população.

O Prazer sexual por intermédio de Tecnologias e Técnicas - Por Renato Reder



"Nossa espécie já aumentou a ordem "natural" de nossas vidas por meio de nossa tecnologia: drogas, suplementos, peças de reposição para virtualmente todos os sistemais corporais e muitas outras invenções. Já temos equipamentos para substituir nossos joelhos, bacias, ombros, cotovelos, pulsos, maxilares, dentes, pele, artérias, veias, válvulas do coração, braços, pernas, pés e dedos." - Ray Kurzweil.

Hoje tudo parece estar caminhando para que o parceiro sexual seja o próximo a ser substituído. A necessidade de um outro indivíduo para obter prazer sexual se faz cada vez menor frente a um crescente aprimoramento de técnicas e tecnologias desenvolvidas para que se atinja o prazer e orgasmo sozinhos.

Nas Sex Shops (virtuais ou não) a concentração de itens para o orgasmo individual é massiva. São estimulantes femininos, estimulantes masculinos, mastubadores femininos (em cápsulas, ou em forma de ovos vibratórios a prova d’água, ou duplos), masturbadores masculinos (com vibrador ou sem vibrador), retardantes de ejaculação sob forma de camisinhas ou óleos, estimuladores anais com vibração ou sem vibração, etc. Isso sem mencionar a entrada de itens cada vez mais hi-tech no mercado com direito a luzes neon, controle-remoto e integração com celular ou computador.

Frente a isso, atingir o orgasmo com um parceiro torna-se somente mais uma opção dentro do enorme leque de itens disponíveis. Há quem defenda esse quadro como uma espécie de libertação, de evolução da espécie. Eliminar a necessidade do parceito praticamente anula a possibilidade de transmissão e contágio de doenças sexualmente transmissíveis.

Por outro lado, nossos corpos se desenvolveram em uma época muito diferente. Nossa relação com prazer e sexo é muito particular e varia de pessoa pra pessoa. A otimização de substâncias e itens afim de proporcionar pressupõe uma duvidosa padronização ou unidade em relação aos seus usuários que tende a ser problemática. Cada corpo é absolutamente distinto em relação a outro. As formas, traços, linhas, contornos... as abstrações, sensibilidades, limiares de dor e prazer são únicos. Pressupor unidade nesse caso soa dramático. Não se sabe se haverá a curto ou longo prazo ou quais as consequências dessas práticas.

Aprimorar o que é normal, uniformizar o que é diverso, substituir ou eliminar uma necessidade da natureza humana dá margem a uma interminável discussão sobre o ético.
Não há limite porque não há regras, e não há regras porque a sociedade não discute a questão.

Por Pedro Félix



Anúncio retirado de: http://www.futurocomunicacao.com/vitasport/blog/wpcontent/uploads/2009/04/emkt-oxygen-web3.jpg
“Nosso corpo é uma máquina e sua performance depende diretamente do que ingerimos.” A organicidade já se foi superada pela abordagem dos anúncios dos produtos da engenharia biocientífica, qual uma máquina industrial cuja razão de existir seria obter uma produtividade máxima no sentido físico (fisiológico), o corpo humano é apresentado cada vez mais a novas substâncias e técnicas manufaturadas que prometem elevar seu potência sem a necessidade de um esforço prosaico, mas sim a partir de mecanismos que tem ação intra-estrutural (genética) – “Radical energy intracellular matrix”.
O produto da propaganda acima é um suplemento alimentar que, conforme o anúncio, “...foi desenvolvido para a raça humana...” e encontra razão de existir na constatação de que: “No século 21 performance se tornou o ponto principal de nossas vidas.” A proposta desse item já atenta também para o público fora do campo do fisioculturismo e do esporte, ao contrário dos suplementos que fazem a cabeça dos vigoréxicos. São as pessoas no campo das relações sociais, a imagem pública como um novo espetáculo. Em um aspecto importante este exemplo de marketing segue uma orientação diferente da tendência contemporânea do culto ao corpo – não é apenas aquela ostentação dos músculos como elemento de uma carapaça invulnerável, um escudo e uma ferramenta de ataque do atleta, é o corpo na sua produtividade mecânica exterior, a imagem da sua intervenção no espetáculo cotidiano (tanto braçal quanto intelectual) -, porém não foge da pós-organicidade, do caráter fáustico que propõe um movimento que age da essência formadora e biológica, assim como outrora agia nas engrenagens e matrizes do hardware dos dispositivos mecânicos da era industrial.
Um princípio de fundamentalismo pró “boa-forma” do corpo é identificável em quase todas imagens que representam os artefatos da biociência moderna.

Bibliografia:

1. COURTINE, Jean-Jacques. “Os Sthakhanovistas do narcisismo”. In: Communications, nº 56, 1993.
2. COSTA, Jurandir Freire. “O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo.”
3. COSTA, Jurandir Freire. “A personalidade somática de nosso tempo”. In: O vestígio e a aura: Corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2004; p. 185-202.
4. SIBILIA, Paula. “O homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais.” Rio de Janeiro: Ed. Relume Dumará, 2002.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Por Tiago Rubini

Les Mills é como se chama a empresa de Leslie Roy Mills.

As séries Body System, modalidades de exercício físico muito populares em academias ao redor
do globo, inclusive da América Latina, dos Estados Unidos e da China, são o que esta empresa
comercializa. Exemplos destas séries são o Body Pump e o Body Combat.

Construindo um projeto pigmaliônico, Leslie Mills utiliza de seu carisma e tato para os negócios para sugerir um estilo de vida livre do sedentarismo. E ser sedentário, segundo Les Mills, além de ser mau para a saúde pessoal, também é corroborar com o declínio do meio ambiente.

O empresário tem um currículo e tanto: já foi atleta olímpico pela Nova Zelândia e prefeito de Auckland, a região metropolitana deste país com a maior concentração de capital financeiro.



No video publicitário a respeito do livro que Philip e Jackie Mills, filho e nora de Leslie, escreveram a quatro mãos, um narrador descreve a Terra em "termos humanos". O best seller se chama Fighting Globesity. Ele diz que como um atleta, o planeta está em forma (fit), em equilíbrio e funcionamento pleno. Relaciona, em seguida, a poluição, o consumo exacerbado e a produção excedente de lixo à obesidade, chamando a atenção para a dificuldade que é reverter um quadro grave. A construção semântica das imagens deste video, coerente com a narração, alterna cenas de destruição ambiental e de adultos obesos comendo ou simplesmente andando pela rua.





O evidente alinhamento da série Body Systems com a bioascese, conjunto de valores que sustenta os dogmas contemporâneos da qualidade de vida, está conectado com a sua comercialização. A estética publicitária da Les Mills flerta com a publicidade de produtos feitos para jovens. Pessoas muito felizes, com disposição e estimuladas figuram nas campanhas das séries de exercício Les Mills.




America’s Next Plus-Size Full-Figured Model - Por Felipe Lopes



O mundo das modelos apresenta padrões de corpos muitas vezes destoantes da grande maioria de pessoas que consomem a moda. Existe um ideal que combina altura mínima, peso e idade máxima, além da beleza. As modelos femininas possuem corpos ainda mais extremos na representação de magreza. Entretanto, há outro conceito de modelos cada vez mais aceito: o de Plus-Size Models, modelos acima do peso, mas ainda assim dentro de padrões. A altura mínima é ainda maior que o das modelos magras, há uma necessidade maior de uma boa estrutura óssea e uma pele perfeita.
As modelos plus-sized, apesar de presentes em diversos lugares do mundo, ganharam maior destaque nos Estados Unidos. O fato de o país ser campeão em pessoas acima do peso contribui para essa reestruturação de nicho nos moldes de corpos. Vale ressaltar que este padrão de modelos não muda o conceito de “modelo”, mas é apenas uma segmentação de moda que não exclui o padrão que ainda é predominante de modelos magérrimas. Isso torna interessante a representação de ambos os tipos de modelo na mídia, incluindo nos mesmos veículos de comunicação. O programa “America’s Next Top Model”, reality show onde aspirantes a modelo buscam um contrato com uma agência e ser capa de uma revista.
O programa, apresentado pela top model Tyra Banks, sempre reforça a intenção de quebrar padrões de moda; a própria Tyra sofreu preconceito por ser negra e não estar enquadrada neste padrão. Com isso, vemos no programa modelos de diferentes biótipos disputando o título de próxima top model americana. E durante 10 temporadas, modelos magras e plus size foram consideradas com o mesmo potencial. Mesmo potencial que não pode ser constatado no número de participantes. São 13 participantes por temporada. E apenas em 13 temporadas, foram menos de 10 modelos consideradas plus size competindo, geralmente uma por temporada.
E aí houve uma nova imposição de padrões. A melhor modelo acima do peso, Toccara Jones, ficou em sétimo lugar na temporada que competiu. O cenário de reality show, onde a ideia de diversidade prepondera sobre os julgamentos reais, contribui para sua eliminação. Toccara participou da temporada em que duas modelos negras chegaram à final. Consequentemente sua cor da pele a prejudicou, uma vez que se observa um padrão de etnias diferentes na fase final do programa, contando com modelos negras, loiras, morenas e ruivas. Nunca se observa tantas meninas do mesmo estilo na final e, no julgamento, o peso de Toccara foi fundamental para que ela fosse preterida em relação a outras competidoras. Entretanto, o programa abriu portas para a modelo que entrou no mercado e foi a primeira plus-size negra a posar para a revista Vogue Italiana.

O programa apresentou ainda outra questão em relação às modelos acima do peso: o padrão acima do peso. Padrão este que é abaixo do que se observa na realidade. Meninas plus-size não são obesas, ou sequer gordas. Elas apenas não se enquadram no padrão 0 das modelos convencionais. E elas possuem uma faixa de peso a seguir. Não pode ganhar peso livremente e não pode ficar no caminho entre modelo magra e plus-sized. Sarah, participante da nona temporada de ANTM, foi eliminada justamente por ter emagrecido no programa. Isso denota uma visão contraditória, uma vez que as modelos que lutam contra padrões que levam a tantos distúrbios alimentares, também se submetem ao controle e a um regime de disciplina para se enquadrar em outro padrão pré-estabelecido de corpo. Não é a liberdade, é apenas outro molde que deve ser mantido. É um “desvio de peso aceitável”.

Esse controle de peso se torna mais evidente quando encontramos a única vencedora plus-size de ANTM. Primeiramente, o termo plus-size foi mudado para “full-figured”, um eufemismo que tira a ideia de “tamanho extra” para o de “figura completa”. Essa mudança morfológica interfere na percepção do público. O conceito anterior não se associa ao ideal de sucesso. A top model é um padrão confrontado com o de plus size, por isso um sinônimo que atenua. E na escolha da top model vencedora, vemos padrões reforçados de beleza. A campeã Whitney Tompson é branca, loira, cabelos lisos e compridos, padrão considerado belo no senso comum. Mais que isso, Whitney está no limite mínimo do “full-figured”, após ter engordado para participar do programa.

A padronização para outro estilo de modelo demonstra mais uma segmentação que busca identidade com um público que não se afina com as modelos magérrimas. Esse mercado se firma cada vez mais com agências exclusivas a este tipo de modelos. Entretanto não é realidade em todas as partes do mundo; o Brasil, por exemplo, não aceita modelos acima do peso seja nos reality shows, seja em agências. Mais que isso, as diferenças no mundo das modelos são pontuais. Deve haver um equilíbrio entre o que destoa dos moldes no mundo fashion e outros atributos. O próprio America’s Next Top Model mostra diferenças que são aceitáveis dentro de um limite. Há, nisto, uma ideia de projeção do público naquelas competidoras, o que aumenta o sucesso do programa. O último ciclo, inclusive foi composto por outro padrão diferente: modelos abaixo de 1.70m. E lá não há nenhuma menina acima do peso ou com outra particularidade; a altura já é a diferença.
O que podemos analisar desta representação é, também, um ato conservador. O que poderia ser um incentivo a aceitação das diferenças, reforça o ideal de beleza, adaptado a diferenças inerentes a corpos que não se enquadram em padrões. E, assim, meninas acima do peso apreciam esse apelo midiático e consomem as tecnologias que podem torná-las bonitas e transforma-las em “figuras completas”.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Substitutos - Por Paula Chaves



Na Era pós-moderna, é possível intervir no corpo se os pensarmos como softwares. É possível “consertar” o corpo mecanicamente, de fora para dentro, ou geneticamente, de dentro para fora. A busca pelo corpo perfeito é almejada por grande parte da população, que utiliza cirurgias plásticas para tentar ter um corpo dentro do padrão de beleza e juventude exigidos pela sociedade. A tecnociência esta cada vez mais evoluída. Uma de suas últimas descobertas foi uma maneira de fazer com que um macaco mova um braço mecânico apenas com a mente.
Utilizando-se dessas informações, o filme “Substitutos” vai além desse raciocínio e cogita que, em uma realidade futura, nós seríamos capazes de viver através de um clone nosso controlado mentalmente. Enquanto o indivíduo – chamado de operador - estaria em estado vegetativo dentro de casa, em uma espécie de “coma”, o nosso substituto – assim são chamados os clones – estaria nas ruas trabalhando, comendo, passeando, etc. Ou seja, vivendo pelos humanos. Os operadores não deixariam de sentir as atividades, apenas se privariam do risco que correm saindo nas ruas atualmente. Em qualquer caso de perigo, não seria necessário se preocupar, pois se o substituto se ferir ou morrer, não afetaria o operador em nada. Bastaria apenas comprar outro “robô” e substituir o ferido por outro novo, perfeito. Esta seria a grande vantagem da utilização de substitutos, a segurança. Tal vantagem é umas das grandes preocupações existentes hoje, visto que se vive em uma sociedade de risco. Não é mais a busca da normalidade que vigora, como na Era Moderna. Agora o indivíduo é guiado pelo risco – de morrer, ficar doente, etc.

O excessivo culto do corpo, onde a beleza, a juventude, e o bem-estar são necessários, também se mostram presentes no filme. Uma característica almejada por grande parte da população e que se torna possível no filme é a possibilidade da pessoa “photoshopar” seu próprio corpo, visto que os substitutos são artificiais e podem apresentar qualquer tipo de aparência desejada, e muitas vezes são versões melhoradas dos humanos que os controlam. Na sociedade em que 90% da população que sai nas ruas são clones, as pessoas ficam visivelmente mais bonitas, ou seja, com a aparência jovem, polida, esbelta e lisa.
Mas, na trama do filme, os humanos que são contra os substitutos criam uma arma capaz de matar as pessoas, e traz a tona novamente a atmosfera de perigo. Com esta arma, se o substituto morre o humano que o controla morre junto. Dessa maneira, toda a idéia inicial de se ter um clone é questionada, pois a segurança, que era a grande vantagem, não existiria mais. O filme traz para a sociedade atual, de caráter fáustico, uma reflexão sobre os limites da tecnociência. Até que ponto se pode ir para aperfeiçoar e garantir qualidades como a segurança e a beleza?

Trailer no youtube:

Mil e Uma Identidades – Por Vivian A. de Sousa

“Nosso corpo é o exemplo mais destacado do ambíguo”.

William James


Ciência, tecnologia e biologia formam no cenário pós-moderno um complexo e admirável tripé. O reconhecimento do sucesso de promissoras descobertas capazes de revolucionar a vida do homem garante a ascensão de sua credibilidade.

Sabe-se que a evolução tecnológica alcançada pela humanidade de maneira feroz nos últimos séculos tem conseqüências ainda imensuráveis a olho nu diante da maior parte da sociedade.

Mediante povos de culturas tão diferentes que habitam este planeta, a influência de novas e refinadas tecnologias ganham os mais variados formatos e modulam-se de acordo com seus conceitos e hábitos.

Recentemente este tripé passou a vincular-se com mais intensidade a área da saúde e do bem estar físico dos seres humanos. Seu desenvolvimento foi capaz de criar soluções para doenças e disfunções do organismo a fim de mantê-lo o menos “danificado” possível.

A tendência a exteriorização do que se é fortalece esse processo e ganha ainda mais vigor com a ciência revirando o campo estético. Aparelhos e linhas de produtos desenvolvidos a base do que há de mais moderno no ramo, não moldam só curvas, mas principalmente personalidades.

Vive-se cada vez mais o agora, nada pode ser deixado pra depois, a insatisfação é descartada do dicionário contemporâneo, e assim são criados medicamentos com a fórmula instantânea da felicidade que ultrapassa a barreira do real.

Academias e centros estéticos acompanham a aceleração progressiva do cotidiano de quem vive nas grandes cidades, com o desafio de manter esses corpos de pé e “saciados”.

O hedonismo e o narcisismo são palavras chaves dessa reconfiguração humana, surge outra moral e o poder aparece em instâncias diferentes, à liberação do corpo desperta um resultado paradoxal sobre o comportamento do homem, a repressão não existe mais, a “tortura” agora é uma livre escolha e o que torna o poder forte é o mesmo motivo que antes o condenava.

Os corpos dóceis a que Foucault se refere em seus livros e análises, doutrinados pela sociedade disciplinar, com movimentos exatos e ritmados, seguiam os parâmetros que o contexto histórico exigia na época, a Era da Informação, do homem pós-orgânico, de surtos tecnológicos parece apenas possuir demandas diferenciadas, onde cada um tem paradoxalmente liberdade para doutrinar-se.

A propaganda abaixo é de um Centro Estético Colombiano e está entre as melhores do mundo eleita por um site na internet. Elaborada em 2007, a empresa colocou modelos circulando por bares e boates com camisetas escritas “antes” nas costas e “depois” na parte da frente onde estão seus novos e turbinados seios.

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No caso, o silicone que já é muito comum hoje em dia serve apenas como uma demonstração de tudo o que ainda está por vir. Cirurgias reparadoras, cremes milagrosos, tratamentos instantâneos que tornam o sonho de qualquer um real.

Outro exemplo é a propaganda da sandália Ipanema estrelada pela modelo mais famosa do mundo, a brasileira Gisele Bündchen, com o slogan “Brasil a flor da pele”, mostra um corpo que vai sendo todo tatuado, como se fosse apenas um desenho de fácil traçado sem a carga definitiva que esta tem na realidade.

É como se diante daquele corpo nu fosse possível se inventar e se reinventar quantas vezes desejar. A idéia é poder ser o que quiser. Mas é principalmente poder deixar de ser. Se transformar à medida que for necessário e possível e for múltiplo em prol de sua individualidade. O comercial enfatiza o desejo de liberdade do ser humano de fazer suas próprias escolhas.

A análise de Francisco Ortega em seu livro O corpo incerto é contundente: “O corpo tornou-se o espaço da criação da utopia, um continente virgem a ser conquistado.”

O ímpeto de tornar visível quem somos, ou o que gostaríamos que fôssemos traz certa nebulosidade em torno do que se transforma nossa essência diante de tantas alterações físicas.

A incessante busca pela perfeição, retratada não só pela ciência, mas também pelas ferramentas midiáticas de programas de correção de imagens retocam a realidade corrigindo as mais milimétricas imperfeições até que estas se tornem imperceptíveis e adequadas ao padrão de campanhas publicitárias, capas de revistas ou comerciais de TV.

“Dentro” e “fora” são conceitos que passam a se misturar no que diz respeito às dimensões físicas e subjetivas do ser humano. Corpo e alma, natural e artificial, interior e exterior. Não há mais limites claros entre o ponto de partida e a linha de chegada. Ser tudo, sem ser pra sempre, num eterno renascer de nós mesmos.



Quando tenhamos aliviado o máximo possível as servidões inúteis, evitado os infortúnios desnecessários, restará sempre para preservar as virtudes heróicas do homem, a longa série de males verdadeiros, a morte, a velhice, as doenças incuráveis, o amor não compartilhado, a amizade recusada ou traída, a mediocridade de uma vida menos terna que nossos sonhos: todos os infortúnios provocados pela natureza divina das coisas.

Marguerite Yourcenar








Bibliografia:

Foucault, Michel – Vigiar e Punir

Nietzsche, Friedrich – Genealogia da Moral

Sibilia, Paula – O homem Pós- Orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais

Gardt, Micheal e Negri, Antonio – Império

Ortega, Francisco – O Corpo Incerto

Pílulas da inteligência - Por Marcela Ruiz

Medicamentos para “aumentar a inteligência”, saíram do papel e passaram a ser realidade na vida de muitos.
A utilização de medicamentos para doenças como Alzheimer, déficit de atenção e fatigas diurnas, doença comun entre americanos, já vem se tornando algo frequente entre jovens perfeitamente saudáveis. O consumo desses medicamentos permitem uma maior concentração, um menor cansaço e um desempenho melhor no uso da memória. Pois por serem indicados para quem possui todos esses tipos de problemas, a reação deles em um jovem perfeitamente saudável, é o super desenvolvimento dessas aptidões.
Essa pespectiva de tornar-se inteligente apenas tomando um comprimido, introduz o temor de que uma nação pare de se esforçar para alcançar seus objetivos e pespectivas e recorra apenas aos métodos científicos. Afim de obter o maior resultado com o menor esforço.
Por exemplo, existem remédios desenvolvidos para crianças com o problema de défit de atenção, para melhorar certas disfunções cerebrais, como a Ritalina, que foi desenvolvida para aumentar o rendimento de crianças hiperativas e se cunsumida por crianças saudáveis produzirá o mesmo efeito. A consequência é uma maior pontuação em exames e testes.
Mais seria ético transformar toda a população em gênios através de uma droga?
De acordo com a revista Scientif American, fomos inteligentes e sábios o suficiente para prodizir ao longo dos anos aparatos para melhorar o nosso cotidiano e agora conseguimos desenvolver algo para melhorar a nossa capacitadade intelectual. Então por que não usufruir dessa tecnologia? Uma vez que fomos nos que chegamos até essa substância, seria como uma evolução das espécies em que os mais aptos sobrevivem.
Como comentou o psicólogo Corneliu Giugea na década de 70, "o homem não esperaria passivamente milhões de anos até que a evolução lhe oferecesse um cérebro melhor". Com isso ele mesmo começou a produzi-lo.
Em contra partida, há também aqueles contra esse tipo de substância que altera o metabolismo. A princípio parece uma forma de trapaça, algo injusto. Pois ao meu ver seria como um dopping no esporte, em que são utilizadas ferramentas esteriores, que naum são naturais, para vencer uma competição, seja ela física o intelectual.
Por exemplo, no caso de uma prova para um concurso ou uma olimpíada - provas consideradas importante e de alta competitividade - caso um participante tome a substância estimulante e outro não, esse que tomou terá um desempenho melhor que os demais, mas não devido as suas capacidades intelectuais naturais, mais devido a uma substância que estimula e melhora suas aptidões, assim como o uso de drogas no esporte.
Além de uma divisão entre aqueles que podem e tem condições de obter a droga e aqueles que não tem. Intensificando ainda mais a diferença de classes.
Ao meu ver, seria também uma disputa contra o tempo, uma forma de vencê-lo, de prolonga-lo. Temos uma angústia pois o tempo passa, temos milhões afazeres e ficamos cansados, somos obrigados a dormir, sem aproveitar ou finalizar nossas tarefas. Com uma dessas drogas da inteligência, como estão sendo chamadas, podemos diminuir o cansaço e prolongar o tempo seja de estudos, seja de diversão, o importante é que a fatiga chega mais devagar e conseguimos aumentar o nosso “tempo de aproveitamento”.
Além de que teremos um menor esforço e um maior aproveitamento, logo o que anteriormente demoravamos 1 hora para realizar, futuramente demoraremos menos tempo. Isso também é uma forma de aproveitar esse tempo, que a princípio ficaria vago.
A ironia seria o confronto disso com drogas que tem o objetivo de te deixar mais lerdos e com o pensamento vago ou sem esse pensamento. Aquelas drogas em que tira-se férias de pensar por alguns instântes. Temos também aqueles que gastam furtunas com remédios ou psicólogos para esquecer traumas, e se libertar de experiências e lembranças indesejáveis. O cérebro também tem esse mecanismo de defesa, como alguém que sofre um estupro e não se lembra de detalhes porque o choque foi muito grande.
Com essas pilulas teremos a intensificação da memória, ela funciona de uma maneira mais eficaz, sendo assim, essas lembranças e traumas também se intensificam. Podendo não ser uma escolha correta para muitos.
Melhorar a memória é um dos pontos em questão. Tornar as pessoas mais inteligentes - mais aptas a compreender idéias complexas com maior facilidade e menos esforço - parece, no entanto, mais problemático. A princípio as pílulas inteligêntes proporcionam um aumento na concentração, uma melhora na memória. Mas segundo a ciência a produção de gênios não está muito longe de acontecer.
Como um artigo na internet publicou, a auto-regulação desses medicamentos se dará por ela mesma. “As poucas pessoas que desejam estados alterados de percepção encontrarão os meios para isso, e aquelas que não querem mudar a noção de quem são ignorarão essas drogas. O governo deve se manter afastado disso, deixando que a moral e a ética de cada um de nós nos guie através desses novos campos de aperfeiçoamento.”
Mas particularmente creio que deve haver uma intromissão das autoridades em relação a essas novas drogas, pois apesar de proporcionar reações ditas incriveis, ainda não é claro os seus efeitos colaterais, além do dopping em concursos.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Corpos “excessivamente” saudáveis - Por Gyssele


Vigorexia é o nome que se dá para aqueles que são viciados em exercícios físicos, que almejam o corpo perfeito disseminado pela “ditadura da beleza”. Acompanhada de uma distorção da própria imagem, configura assim um transtorno psicológico denominado “transtorno dismórfico corporal”, somente possível em uma época onde se vive o adensamento de uma sociedade do espetáculo, onde o consumo da imagem é ainda mais voraz.
É também chamada de Síndrome de Adônis, fazendo referência a um ícone de beleza da mitologia grega, se relacionando ainda a um dos mitos de beleza estudados no curso, o mito de Narciso. O jovem grego se apaixona pela própria imagem ao se ver refletido nas águas de um rio, representando desde então o culto da auto-imagem e sugerindo o gerenciamento de si, característica da sociedade contemporânea descrita por Gilles Deleuze, onde o indivíduo se mostra intensamente atravessado pelo capital e por seus sutis mecanismos modernos de controle, “empresariando” sua vida e, portanto, seu corpo. Esse último se tornando mais imagem do que propriamente corpo.
A busca por corpos “excessivamente” saudáveis é, muitas vezes, a busca por uma imagem saudável, correspondendo, portanto, a uma lógica espetacular de consumo da imagem, onde o “parecer” prevalece ao “ser”. Como cita Paula Sibilia, no ensaio “O corpo reinventado pela imagem: Barbarella, 1968”:

“O espetáculo, escreveu Debord, “é capital em um grau tal de acumulação que se transforma em imagem”. Por isso, seus códigos e regras passaram a pautar nossos modos de vida e nossas visões do mundo, bem como os relacionamentos sociais e afetivos, e até mesmo a construção de si. A lógica do espetáculo foi se apropriando de tudo, sem deixar praticamente nada de fora, pois o espetáculo “é o sol que jamais se põe no império da passividade moderna.”

Faz Viver a Vida - Por Viviane Roux




“Por me interessar pelo tema, tive acesso a estatísticas aterradoras sobre anorexia alcoólica, distúrbio alimentar batizado de drunkorexia, em que as mulheres substituem a alimentação pelo álcool, para não ganhar peso com a ingestão de bebida. Segundo informações de psiquiatras, o alcoolismo feminino quase sempre está associado a transtornos psicológicos como a anorexia, a bulimia, a depressão, a ansiedade. A personagem Renata (Bárbara Paz) vai viver esse drama e terá que superá-lo.”
Manoel Carlos, autor de Viver a Vida

"Quantos quilos eu emagreci, eu não sei, mas foi o suficiente para as calças ficarem largas e eu muito feliz"
Taís Araújo, a Helena de Viver a Vida



Viver a Vida é a atual novela que vai ao ar às 21 horas na Rede Globo. Líder de audiência em seu horário, como as novelas do canal costumam ser, esta se diferencia por apresentar um núcleo de modelos liderados por Helena, interpretada pela atriz Taís Araújo e Luciana, Alinne Moraes. As duas, assim como o resto do elenco da novela, são impecáveis em seus corpos, dos cabelos sedosos aos dentes brancos, da maquiagem perfeita à pele lisa.

Dentre os dramas apresentados por Manoel Carlos em sua obra, destacamos o caso da personagem Renata, vivida pela atriz Bárbara Paz. Renata sofre de anorexia alcoólica ou drunkorexia. Este distúrbio se caracteriza basicamente pela não ingestão de alimentos e a troca desses por álcool. Além do desejo de manter-se dentro dos padrões exigidos por uma sociedade que prioriza corpos magros e jovens, há também, o entorpecimento com o álcool, muitas vezes relacionado à depressão, estilo de vida desregrado. Uma dissonância entre o cuidado de si que além da beleza, valoriza a saúde, e a vitrine compulsória, onde o corpo deve aparentar o que se é em sua superfície, assim, os sacrifícios a que se submete para mantê-lo belo e jovem, são válidos.



Interessante notar, que ao mesmo tempo em que a trama traz à tona o transtorno alimentar numa explícita crítica a tal corpolatria contemporânea, temos por outro lado a ratificação desses valores, com as personagens do núcleo ‘moda’ e suas silhuetas ‘slim’, mas não apenas elas. Todos os personagens da novela são magros, as crianças, as mulheres e homens de meia idade e até os idosos. Ironicamente, a única personagem que aparenta estar acima do peso e possui papel de pouco destaque na novela é a mãe de Renata, a anoréxica.

Voltando a era moderna, período cunhado por Michel Foucault de Sociedade Disciplinar, temos uma maneira diferente de se tratar os corpos. Os corpos dóceis e úteis de Foucault eram talhados ao trabalho, a produção. Os moldes e ajustes eram feitos de fora para dentro, de tanto se sentar com a postura correta na cadeira da escola, os corpos se acostumavam com a posição ereta e assim permaneciam sem que qualquer alteração se desse no seu interior, sem a ingestão de medicamentos e, ainda se estava longe das alterações em gens, no interior das células e até dos DNAs que hoje em dia se parecem comum e perto de se tornar viáveis.

Os corpos que antes eram apertados nos uniformes e nas posições, como se, ao serem colocados em uma fôrma acabassem tomando essa forma, são hoje corpos modificados de dentro para fora. Em casos como o da personagem de Viver a Vida, a desejada magreza deve ser conseguida a todo custo. Algumas anoréxicas recorrem as atividades físicas sim, porém é maior o número das que apelam para os moderadores de apetite, diuréticos e laxantes. Certamente, se pudessem retirar de seu corpo os hormônios responsáveis pela absorção de gordura, recorreriam a este método sem pestanejar.

O interior que outrora fora confundido com a alma, não se sabia onde localizá-lo mas era ele que melhor representava que se era de fato, hoje é material, físico e deve ser modificado. O que antes era oculto e não devia ser questionado, modificado, pois se tratava da essência, do que realmente se é de verdade, hoje deve ser reconfigurado para que a superfície mude de aparência. Na verdade, para as Renatas mundo a fora, pouco importam os sacrificíos a que se submetem enquanto não podemos escolher nossos corpos em lojas como se fossem roupas. Importa ser magra, vencer os limites deste corpo defeituoso que engorda, envelhece, quebra e em determinado momento para. Deve-se ser bela, magra.


Manoel Carlos deseja alertar a sociedade sobre a anorexia e escreveu a Renata. Manoel Carlos escreveu a Helena e colocou na mesma novela que Renata. A Renata deseja ser como a Helena. Nós também.

Caso Geisy: da disciplina ao controle - Por João Fanara

A partir do final da década de 60, Foucault sinalizou para uma mudança que estava ocorrendo em nossa relação com os nossos corpos. Passando do homem-máquina no início da modernidade ao homem-psicológico, o homem contemporâneo teve seu corpo descoberto (ele 'acordou') pelo excesso de atenção dada a ele na era disciplinar. O despertar do corpo criou uma espécie de rebelião contra o poder que o aprisionara e resultou numa reconfiguração do poder.

Engana-se quem pensa que o corpo contemporâneo, depois da revolução sexual e dos fins dos tabus, está livre de toda e qualquer moral. É fácil observarmos que a liberdade do corpo depende, atualmente, do enquadramento que este corpo tem em padrões definidos pela estética e pelas normas de saúde. Revistas trabalham incessantemente ao retocarem as imagens em softwares, retirando rugas, colocando curvas, acertando as cores etc. Ao mesmo tempo, programas de auditório levam especialistas para tratarem da obesidade e quase sempre há um tom moralista nas falas, onde o obeso, independente das suas taxas de colesterol e açúcar, são massacrados e expostos como criaturas sem controle sobre suas próprias vontades e desejos.

Para ilustrar um pouco este momento de transição entre estas morais que mencionei, trago o exemplo da aluna da Unibam, Geisy, de 20 anos, 1,70 metro, loira, olhos verdes, que foi ofendida por colegas da faculdade, por exibir curvas do seu corpo num curto vestido rosa. Poucas coisas resistiram tanto à transição da sociedade disciplinar para a sociedade do controle como as instituições de ensino. Destas, penso que as universidades tornaram-se ainda mais fiéis aos antigos métodos de formatar corpos e almas, prova disto, foi a violenta repressão moral e física que esta jovem estudante sofreu dentro e fora da sala de aula.

Hoje, a ex-estudante de turismo da Universidade Bandeirante de São Paulo, parece ter despertado o seu corpo depois de tanto alarde das mídias. Neste domingo, dia 6 de dezembro, saiu de uma cirurgia realizada na Clínica Paulista de Cirurgia Plástica, retirou cinco litros de gordura de todo o corpo, modelou cintura, fez enxerto no bumbum, aumentando-o e colocou 435 ml de silicone em cada seio.

Geisy que saiu dos olhos disciplinadores da universidade, agora entrega-se ao estimulante olhar das lentes das mídias, onde o preço a pagar pela a sua aceitação é a adequação do seu corpo ao que se define como sendo 'boa forma'.


Referências:
http://bit.ly/2R403t
http://bit.ly/4S1owx
http://bit.ly/7PYD9t

O SCANNER CEREBRAL E A POSSIBILIDADE DE ELIMINARMOS LEMBRANÇAS - POR ANDRÉ SANTOS



"Brilho eterno de uma mente sem lembrança" traz uma temática deveras interessante sobre como lidamos em relação as questões que envolvem a mente humana. Mais especificamente sobre possibilidades de interferências na memória através de recursos tecnológicos.



Os resultados que o scanner cerebral podem gerar ainda representa uma incógnita. O seu potencial é deslumbrante e assustador: a possibilidade de ler mentes. No filme, uma empresa (Lacuna Inc) oferece o peculiar serviço de apagar lembranças da mente. Através do contato com objetos e relatos do cliente, o processo é baseado no mapeamento da lembrança que deve ser eliminada. A idéia é estigante por se encaixar perfeitamente no funcionamento da mente, baseada sempre nas associações para identificação ou repulsa de qualquer coisa.

Por conseguinte, esse enredo submete a uma linha de raciocínio que ganha cada vez mais força, ao tratar a memória como um hd de computador. Essa tendência vem de encontro com o avanço da nano-tecnologia, que trata o corpo humano como uma máquina, que proporcionará futuramente a substituição de quase qualquer "peça". No texto Ser Humano 2.0, Kurzweil destaca que "nos tornaremos mais não-biológicos do que biológicos". Com isso, a mente ganha papel central nos estudos que visam a intervenção sobre o corpo. isso se deve em parte a herança cultural que nos leva a associar todo o funcionamento do corpo ao cérebro.

Outra consideração importante diz respeito a intenção de quem resolve apagar algo de sua mente pelo comodismo. Trata-se de uma prática que lembra uma cirurgia plástica, já que envolve a vaidade do ser humano e segue a mesma lógica da cultura do corpo,
bem destacada por Jean-Jacques Courtine no texto "Os Stakhanovistas do narcisismo".



Eliminar lembranças mexe com a nossa imaginação e gera polêmica. Afinal, quem não gostaria de poder apagar alguém de sua memória? Talvez realmente fosse uma solução para corações amargurados. Em contrapartida, o scanner cerebral pode vir a trazer enormes benefícios relacionados a distúrbios mentais. Em seguida, precisamos considerar também o inconsciente. Apagar uma lembrança não impede que façamos caminhos semelhantes, sem uma explicação lógica. Simplesmente porque tendemos a agir de tal forma.

Para finalizar, cabe ressaltar que ainda não se pode precisar as possibilidades exatas do desenvolvimento de um processo semelhante ao realizado no filme. Porém, como tantos outros avanços tecnológicos, esbarraremos na questão ética. Afinal, quem irá regular tais práticas?

A era dos chips de monitoramento - Por Carlos Soares



O futuro está cada vez mais próximo. Situações antes imaginadas apenas em livros como o clássico “1984” de George Orwell já são realidade. A privacidade, que nos grandes centros urbanos junto com o poder das mídias digitais já é mínima, está para acabar.
Criadas inicialmente para uso logístico, as “e-tags” ou “smart-tags” são chips que já chegaram ao tamanho da circunferência de um fio de cabelo e que funcionam através da tecnologia de identificação por rádiofrequência chamada em inglês de RFID.
A tecnologia do RFID foi criada nos anos 70 e os chips de monitoramento nos anos 90, mas seu alto custo inviabilizava sua utilização. Somente com a previsão do uso em escala global que o preço começou a cair e novas funções passaram a surgir.
Seu uso inicial era de ajudar na logística de grandes distribuidoras, fornecendo em tempo real detalhes sobre cada carregamento. Com o passar do tempo é esperado que cada produto possua um chip como esse, o que trará vantagens e desvantagens.

Futuro supermercado com a utilização de diversar tecnologias já existentes.

No futuro será possível ir ao supermercado, colocar os produtos que desejar no carrinho e passar tudo de uma vez perto da antena receptora no caixa, ao invés de passar cada código de barras dos pordutos numa leitora. Muito mais prático e diminuirá consideravelmente o tempo das filas. O próprio supermercado poderá colocar menos produtos em exposição, pois através do monitoramento feito por antenas no local saberá quais produtos estão acabando e avisando automaticamente o estoque. As facilidades serão gerais.
Os problemas começam a surgir quando o monitoramento passa a invadir a vida privada das pessoas, como se por exemplo os chips não fossem desligados ao sair do supermercado e as empresas começassem a monitorar em tempo real o consumo de seus produtos.

Vídeo nada imparcial mas que dá uma idéia de como a tecnologia poderá ser usada no futuro.
Por mais que algumas empresas afirmem que não existe interesse em monitorar o produto depois da venda, outras levam ao máximo as possibilidades dessa tecnologia.
A Microsoft mantém um projeto intitulado “Casa do Futuro” onde todos os componentes usam as etiquetas inteligente para comunicar entre si. Por exemplo, a geladeira reconhece todos os produtos que nela estão e avisa quais estão acabando ou expirando o prazo de validade. Ao retirar um produto de dentro da mesma, o microondas já configura o tempo e a potência para o preparo da refeição.
Para os incrédulos, a tecnologia já é utilizada, e muito, a anos, como por exemplo em algumas lojas da grife Prada em Nova Iorque, onde ao entrar em um provador o cliente é exposto a outras cores da peça em questão e é mostrado o desfle onde a mesma é utilizada.
No Brasil a tecnologia é muito utilizada em pedágios, onde é instalando um chip no carro que permite sua passagem automaticamente pela cancela e o valor é cobrado ao final do mês; como também na marcação do gado com RFID em diversas fazendas, substituindo a cruel marcação com ferro em brasa.
As etiquetas inteligentes são multiusos, com finalidades virtualmente inacabáveis. Diversas empresas já estudam projetos para sua utilização e, relativamente em breve, o uso de código de barras será algo do passado. Seu uso é tão abrangente que já começa a ser utilizado em humanos.
Os chips RFID em humanos são do tamanho de um grão de arroz e são implantados sobre a pele através de uma seringa. Seu propósito inicial foi de ajudar médicos a identificar o histórico dos pacientes assim que adentrassem ao hospital, praticamente em tempo real, e assim salvando vidas.
Atualmente, as etiquetas inteligentes tem sido utilizadas em boates na europa, para identificar o cliente e quanto o mesmo consumiu no dia, e até em escolas no japão, onde os pais recebem uma mensagem de texto no celular assim que os filhos entram no colégio. No Brasil, algumas famílias mais abastadas usam o chip para monitorar seus membros e evitar e ajudar em casos de sequestro.
Se chegarem em escala mundial, os chips RFID irão causar sérios problemas quanto a privacidade, pois a qualquer momento alguma entidade (seja ela o governo, uma empresa privada ou até mesmo uma pessoa qualquer que tenha acesso ao sistema) poderá monitorar os passos de qualquer cidadão do mundo. Essa possibilidade conflita com diversas constituições em vários países no globo, onde a privacidade é um direito garantido po lei. O difícil é pesar a quantdade de benefícios e praticidades em contraste com a legislação em diversos países e a potencialidade desse tipo de monitoramento cair na mão de algum chefe fascista/terrorista.
Definitivamente, o que muda é nossa relação com as máquinas. Quando as etiquetas inteligentes se tornarem realidade, o homem chegará a um nível de dependência tecnológica nunca antes visto, já que a tecnologia, de fato, se tornará uma extensão humana. Ou essa vigilância constante das máquinas nos levará ao máximo do ideal progessista, resolvendo grandes problemas do mundo, ou servirão para adentrarmos em um período de ccontrole absoluto, como o “Grande Irmão”. Quem sabe até os dois.


BIBLIOGRAFIA
FOUCAULT, Michel. “Poder-Corpo”, In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1979; p.145-152.
SIBILIA, Paula. “Biopoder”. In: O homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Ed. Relume Dumará, 2002.

SITES VISITADOS
http://www.cartadelogistica.com.br/website/text.asp?txtCode=3666&txtDate=20040929000000
http://www.maxideia.com/pt_pt/maxcontent/documento/6811/noticias-tecnologia-e-e-marketing/fda-aprova-uso-de-chip-de-implante-subcutneo-para-fins-medicos/
http://octopedia.blogspot.com/2009/10/um-chip-subcutaneo-para-detectar-o.html
http://www.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=20211&sid=3

Mulher brasileira em primeiro lugar - Por Raphael Cancellier

A mídia é um ambiente onde ideias e conceitos são colocados em evidência para que embates sejam explicitados e se crie um lugar de fala considerado o “discurso verdadeiro”. Nos meios de comunicação, os corpos e as subjetividades são explorados, algumas vezes exibindo modelos a serem seguidos e outras vezes criando estereótipos e clichês, mas que também servem para serem seguidos.
O corpo em evidência, hoje, é aquele “reto”, com algumas curvas retilíneas, mas sem gordura e ainda assim saudável, podendo ou não sofrer alterações cosméticas ou digitais, através dos bisturis reais ou os bisturis de “software”. Essa ditadura do padrão midiático correto molda além dos corpos, mas também a subjetividade, pois ele, além de ser um corpo, é usado para demonstrar as características internas de cada um (corpo magro é sinal de felicidade, bem-estar e saúde).
Esse ideal corporal é o modelo que foi construído com a ideia de um “corpo moderno” (e agora pós moderno) e para que ele seja legitimado, além dos meios de comunicação, tem o aval da ciência e da bioética, que criam o seus discursos através da fala de “qualidade de vida” e de “cuidados com o corpo”.
Porém, esse discurso de qualidade de vida e os corpos que não são corpos “cotidianos” exibidos pela mídia têm lotado os consultórios de psicólogos, as salas de cirurgias plásticas e criando novas patologias, como a bulimia, a anorexia e todo o tipo de peso que são considerados os novos desviantes para quem não encaixa no padrão “saudável” e “comum” da mídia.
‘ Após esse momento explicitado acima, em meio às patologias, à não-aceitação do corpo e à contestação daditadura da beleza, surge hoje um outro discurso, que envolve a aceitação do sujeito como ele é (conceito que pode e vai ser problematizado a seguir). No programa da Hebe Camargo, no SBT, houve um dia de discussão sobre a auto-aceitação, com um time composto por Hebe Camargo, Preta Gil (símbolo da gordinha feliz e que se aceita como é), quatro mulheres que comandam o site/blog “Mulherão”, a cantora de axé Claudia Leitte (que é a considerada de padrão magro e saudável) e uma matéria com fotógrados que fotografam gorinhas, conhecidos como “Plus Size” (apesar do nome ser charmoso, se fir analisado ao pé-da-letra chega a ter um tom preconceituoso.


O site/blog “Mulherão” dirigido por esses quatro mulheres “gordinhas” (e que se aceitam) é um dos mais acessados no momento a respeito desse tema e nele você encontra desde depoimentos de gordinhas que tentaram de tudo para emagrecer, chegaram ao fundo do poço, fizeram analise e hoje são felizes, até dicas de roupas para afinar a silhueta e passar a imagem da mulher ser mais magra. Os fotógrafos “Plus Size” também seguem essa linha, pois além eles dão dicas para que a mulher tire fotos bonitas, como levantar o pescoço para tirar o “papo”, ficar de lado para afinar a barriga. Eles também adimtem fazer o uso do “photoshop”, que transforma hoje qualquer indivíduo em um “modelo perfeito” sem precisar de cortes que fazem sangrar.
No entando, essa matéria do programa e os discursos apresentados não foram bem aproveitados no sentido de dar evidência na mídia ao corpo que foge à regra padrão midiática, mas serviu apenas para reafirmar o preconceito e aos lugares de fala clichês que já são afirmados pela televisão sempre contra os corpos e as subjetividades de indivíduos que vivem à margem do padrão “normal”.
As afirmações e frases de efeito ditas no programa seguiram a linha de “homem gosta é de carne”, “seja uma gordinha feliz”m “anorexia é uma doença, portanto, aceite-se como você é”, “se gostem em primeiro lugar para que os outros gostem de você”, “a brasilieira é gostosa e tem curvas”. Houve até o comentário da Claudia Leitte (a magra) dizendo que “a gordura é m contexto histórico, pois o homem procura a mulher com curvas para que acalente seu filho”. Além desses clichês, que não levaram o debate do corpo que foge à norma padrão a fundo, nota-se que tanto o site quanto as dicas dos fotógrafos buscam estratégias que façam as mulheres aparentarem ser mais magras, ou seja, esse discurso e essa atitude tanto do site quanto do blog vai contra o discurso apresentado pelos mesmos, que é o de “aceite-se como é”. Se for para que o indivíduo se aceite, para quê o uso dessas estratégias para que o corpo aparente ser menor?
Para completar a analise, nota-se também, no programa da Hebe, que as gordinhas convidadas são as consideradas “gordinhas-não-gordinhas”. Aquela “gordinha enorme” ou a “gordinha obesa” não teve espaço no programa, além do discurso das convidadas ser pautado no discurso da bioética de “qualidade de vida”, pois todas elas fizeram questão de deixar claro que malham, fazem dietas e têm uma boa alimentação, ou seja, são gordinhas saudáveis e não gordinhas sedentárias ou as que seguem a linha desviante de hoje, que são as gordinhas “obesas” e “doentes”.
Portanto, o assunto debatido elo programa deve ser problematizado, pois se elas “aceitam seus corpos como eles são”, por que há a necessidade do blog dar dicas de como usar roupa que disfarce a silhueta, dietas e dicas de comidas saudáveis e por que os fotógrafos usam dicas do mesmo estilo e fazem o uso do “photoshop” para tma´bem disfarçar o corpo “real” da modelo?
Essas questões levantadas acima nos mostram que o corpo real do brasileiro e os corpos que não são considerados nem saudáveis, nem normais para a ciência e para o discurso de qualidade de vida (os corpos não-controlados e não-disciplinados) ainda estão longe de ganhar espaço dentro dos meios de comunicação hegemônicos da pós-modernidade, pois o discurso pautado na saúde e no corpo “conservado” ainda estão em vigor e são utilizados como lugares de fala verdadeiros e controladores dos corpos e das subjetividades da grande massa.
Cabe ressaltar e reafirmar sempre que os corpos e as subjetividades são construídos dentro do contexto histórico de cada época (assim como o corpo modelo na época renascença era o corpo “gordinho”) e estão inseridos em estratégias e jogos de poder, os quais se tornam cada vez mais invisíveis aos nossos olhos, mas cada vez mais eficientes, no que tange ao controle e à estratégias de dominação fortemente elaboradas e também invisíveis, no momento marcadas pela legitimação dentro da grande mídia e dos mitos mitos tecnocientíficos que ocupam o lugar de fala dominante, disciplinador e controlador dos corpos e das subjetividades da pós-modernidade.
Para finalizar, vale observar que no programa da Hebe, após as discussões que passaram pelo assunto de uma forma tangente e sem problematização, finalizou o tema com o cantor Benito di Paula, junto de Preta Gil e Claudia Leitte cantando “agora chegou a vez, vou cantar... mulher brasileira em primeiro lugar”, em seguida, a apresentadora Hebe Camargo apontou para as gordinhas do site/blog “Mulherão” e disse: “Essas são as verdadeiras mulheres brasileiras, assim como todas nós. E nós estamos sempre em primeiro lugar no mundo”. (Última relfexão: existe um tipo de corpo e um tipo de subjetividade para o gênero mulher brasileira, seja ela gordinha, magra, meio-termo, obesa, anoréxica? Não seria mais correto trocar a estrofe por mulheres brasileiras, já que os corpos e as subjetividades são múltiplas e podem ser interpretadas e exploradas por diversos tipos de olhar?)



Blog: http://mulherao.wordpress.com/
Plus size: http://www.modelosplussize.com.br/

“Pânico na TV”: De Musa da Beleza Interior à Panicats – por Yone Benicio



O programa “Pânico na TV” é um programa sensacionalista de humor, que exibe corpos excessivamente de duas formas bem contrastante, porém ambas possuem a mesma finalidade apesar da gritante disparidade, que é o culto a beleza.
O programa possui em seu elenco um grupo de meninas denominado “Panicats”, que é formado por mulheres bonitas e magras, com corpos sarados, que aparentam saúde e “boa forma”. As Panicats geralmente aparecem com roupas minúsculas que delineiam o corpo e deixam as exuberantes curvas a mostra, como biquínis, micro saias, roupas juntas que marcam o corpo. Vide figura acima.
Em contraponto a esse estereótipo, o programa apresenta um quadro chamado “Musa da Beleza Interior”, no qual dois apresentadores andam por uma praia brasileira à procura de mulheres bem feias, geralmente gordas, cheias de banhas, com o corpo bastante deteriorado, cabelos mal cuidados são candidatas escolhidas a serem as tais ‘musas da beleza interior’. Além de terem seus corpos expostos de maneira ridicularizada, tirando sarro da cara das coitadas, já que o “Pânico” faz uma abordagem da exibição delas de forma sarcástica debochada, ainda são colocadas em situação vexatória que as deixem mais feias ou aumente o grau da ironia da cena. Como ilustrado no vídeo abaixo.
Video do quadro: Musa da beleza interior
http://www.youtube.com/watch?v=nH9qYzumuo8

O “Pânico na TV” ilustra bem o papel que a mídia tem de criar um modelo padrão de beleza, baseado na “boa forma”, ou seja, se quiser pode exibir seu corpo mas seja magro e saudável. Isso acaba afetando de certa forma, nas produções de subjetividades, já que o corpo também é uma forma de mostrar personalidade, mas ela deve atender aos modelos impostos fortemente pela sociedade e pela mídia. O homem teme ser punido, ou seja, ridicularizado ou rejeitado por ser ele mesmo. Como denuncia Émile Durkheim em sua obra As regras do método sociológico:
“A consciência pública reprime todos os atos que as ofendam, através da vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e das penas especiais que dispõem. Noutros casos, a coação é menos violenta, mas não deixa de existir. Se não me submeto às convenções do mundo, se, ao me vestir-me, não levo em conta os usos seguidos no meu país e na minha classe, o riso que provoco e o afastamento a que me submeto produzem, ainda que duma maneira mais atenuada, os mesmos efeitos de uma pena propriamente dita. Aliás, a coação não é menos por ser indireta”. (DURKHEIM, 1980; 390)
Sendo assim, o homem vive em conflito, entre ser ele mesmo e adequar-se aos modos de ser predominantes. A mídia é maior produtora de modos de ser e responsável pela estimulação do ‘cuidado de si’, bombardeando os sujeitos com corpos bonitos e atléticos. Fazendo com que o individuo passe a recorrer a academias, dietas, tratamentos de pele, salões de beleza, pílulas de emagrecimento, cirurgiões plásticos, uma infinidade de técnicas que permitam o sujeito a apresentar um corpo esbelto, saudável e que o faça aparentar jovialidade, prazer e bem-estar. Afinal, a musa da beleza interior é uma forma de mostrar a feiúra de maneira escancarada e irônica ao espectador, fazendo com que ele não queira ser motivo de deboche igual às mulheres escolhidas a participar do quadro do Pânico, incentivando a “boa forma”.
“Neste novo contexto, o aspecto corporal assume um valor fundamental: mais do que um suporte para acolher um tesouro interior que devia ser auscultado por meio de complexas práticas introspectivas, o corpo se torna um espécie de objeto de design. É preciso exibir na pele a personalidade de cada um, e essa exposição deve respeitar certos requisitos”. (SIBILIA, 2008; 111)
A sociedade em que vivemos, do século XXI, é marcada pelo imperativo da visibilidade, no qual a intimidade encontra-se escancarada nas telas da internet, da televisão, e paginas de jornais e revistas, resultando no fenômeno que chamamos de celebridades instantâneas. O anonimato deixa o homem do século XXI muito irritado, pois o ideal da visibilidade é tão forte que ele se expõe sem perceber, sem nem ter vontade de aparecer. Porém essa intimidade atende as condições impostas pela mídia. O que provoca no sujeito a ter mais vontade de cuidar de si próprio, que agora não só para ser bem aceito, mas para entrar na esfera da visibilidade.

A ditadura das revistas de moda - Por Diego Dacal



Chega o fim do ano, uma época de previsões, balanços e tendências. As revistas de moda e astrologia pipocam nas prateleiras das bancas de jornal e notícias sobre o que vestir e fazer pipocam em seus sites na internet. As revistas de moda ainda dizem o que e como se vestir para as festividades do “reveillon”.



Revistas L’Officiel e Gloss

O tipo de discurso utilizado pelos escritores destes veículos de moda algumas vezes parece se equiparar às ferramentas de lavagem cerebral dos filmes de ficção científica, que repetem uma mesma mensagem consecutivamente, como em Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick. Ou ainda ao ditado “uma mentira dita muitas vezes se torna uma verdade”.
O predomínio de verbos na forma imperativa nestas revistas não pretende saber se aquele tipo de make-up, vestimenta ou cabelo se comporta bem na pessoa. Ela diz o que vai ser usado e diz ainda que você vai usar, como pode-se obervar na revista L’Officiel, “Criamos os penteados que você vai usar nesta temporada”. O consumidor, que vive em uma sociedade pós-disciplinar, ou de controle, onde todo o imperativo da moda já foi internalizado por ele, e assim ele já sabe qual é o padrão dominante e o mínimo que ele pode ser. O consumidor não possui identidade, etnia, peso ou escolha. Implícitamente existe um código visual que deve ser adotado dentro do sistema.


Revista TPM
Na revista TPM, a cantora Maria Rita afirmou que “a beleza tem mais a ver com o conforto do que com um padrão estético.”. O texto da cantora parece tentar alienar a ditadura da moda, travestindo o conforto ao vestir-se bem ou ao padrão estético dominante em nossa cultura. Alguns procedimentos, que, sem dúvida, geram um desconforto muito grande, por serem métodos invasivos, como os de peeling, lipo-aspiração, cirurgias estéticas ou implantes são amplamente utilizados por homens e mulheres que pretendem alcançar (a palavra “alcançar” foi usada a fim de representar que este padrão é visto como superior e quem não se encontra neste padrão é inferior) um padrão estético dominante.
Revistas pesquisadas (Dezembro/2009)
1 - Revista L’Officiel - http://lofficielbrasil.uol.com.br/
2 – Revista Gloss - http://gloss.abril.com.br/
3 – Revista Viva Mais - http://mdemulher.abril.com.br/revistas/vivamais/
4 - Revista TPM - http://revistatpm.uol.com.br/
5 – Revista Nova - http://nova.abril.com.br/
6 – Revista Manequim - http://manequim.abril.com.br/

domingo, 6 de dezembro de 2009

MULHER 2.0: O FISICULTURISMO FEMININO - Por Ivanilma Gama




1. O CULTO AO CORPO: O FISICULTURISMO, SÍMBOLO MÁXIMO

A procura por um corpo perfeito advém desde da Antiguidade clássica, no qual até as obras de artes refletiam esse anseio social. Contudo, foi no século XX que o corpo adquire valor de sagrado. O culto ao corpo possui seu eixo central na preocupação com as formas e volumes do corpo-máquina.
Nos anos 1980 esse culto adquire o seu apogeu, assim como afirma Courtine: “os anos 80 conheceram um desenvolvimento considerável do mercado do músculo e do consumo de bens e serviços destinados à manutenção do corpo” (1995, p. 84). A necessidade de adquirir um corpo saudável, liso e perfeito passou a ser vista como um “estilo de vida”. Nos anos 80 essa geração foi denominada yuppies, nos anos 90 foi a Geração Saúde.
Regidos por toda essa esfera de culto massivo ao corpo, surgi o body-building, símbolo máximo dessa idolatria corporal. Nascido na Europa no século XIX adquiriu força nos Estados Unidos durante o século XX, principalmente nos anos de 1980, se destacando por ser uma prática esportiva1 que visa o desenvolvimento muscular tanto na definição quanto na harmonia, proporção simétrica e estética. As competições ocorrem os competidores se apresentam, através de uma coreografia para exibição dos músculos e detalhes anatômicos, dentro de micro trajes na qual avaliam a performance corporal, estética e beleza.
Numa sociedade do espetáculo na qual a tirania da visibilidade coloca o ambiente privado e o público no mesmo patamar, o corpo do body-builder torna-se uma marca. De acordo com Courtine, “ele é um dos modos privilegiados de visibilidade do corpo no anominato urbano das fisionomias” (1995, p. 83), ou seja, o corpo do fisiculturista funciona como meio de se torna visível socialmente.
O fisiculturismo destacou-se, desde de seu surgimento, como um esporte destinado ao universo masculino como sinônimo de virilidade e força. Alexis Stakhanoff, Johny Weissmuller e Arnald Schwarzenegger são os maiores representantes desse grupo de atletas. Entretanto, com a inserção feminina em ambientes predominado por homens, o body-building presenciou a inserção de várias mulheres nesse esporte.
O que se pretende é investigar se esse paradigma está relacionado a um novo conceito de feminilidade construído a partir desse culto ao corpo.

2. O CORPO FEMININO E SUAS TRANSFORMAÇÕES

O conceito de feminilidade aceito socialmente, apoiado pela medicina e judicialmente durante o século XIX e parte do século XX, pautava-se na imagem da submissão, fragilidade, passividade e beleza. Além disso, a mulher era o ser no qual a principal função era a reprodução e a dedicação ao lar, deste modo, atividades físicas na qual exigissem esforço mais intenso eram reprovados para esse sexo, de acordo com Lessa “até o final dos anos 70 os esportes de força, como o halterofilismo e o fisiculturismo, eram condenados para as mulheres, vistas como frágeis e vulneráveis em função de sua capacidade reprodutora” (LESSA, 2007, p. 109).
Inserido no contexto romântico, no século XIX o corpo tido como objetivo para as mulheres era os das bailarinas. Com a ascensão do cinema e suas estrelas no século XX, o corpo almejado era os das atrizes do cinema hollywoodiano. Durante os anos 1980 com o crescimento da idolatria ao corpo e a incorporação de que a saúde está intimamente relacionada à prática de exercícios físicos e, logo, estar à parte desse sistema é moralmente condenado, acompanha-se a uma adesão das mulheres à prática do halterofilismo e o fisiculturismo.
Considerando a visão de corpo definida pelo antropólogo David Le Breton (BOTELHO apud LE BRETON, 2009, p. 108) em que o corpo, na sociedade contemporânea, tem sido visto como “rascunho”, ou seja, deve ser constantemente melhorado e aprimorado, pode-se se perceber que o body-building no universo feminino procura findar o estereotipo de fragilidade já que no mundo dos músculos quem se sobressai, teoricamente2, é aquele/a que possuir atributos anatômicos mais acentuados. Courtine (1995, p. 82) evidencia também um suposto nivelamento dos sexos na prática do body-building:
Deixou de ser privilégio de um sexo e o signo esmagador de sua dominação sobre o outro: doravante não há mais sexo frágil. A reivindicação muscular democratizou-se, as práticas do body-bulding tendem a se generalizar e a potência anatômica se exibe como um espetáculo permanente, obsessivo, universal.

As práticas desse esporte acentuam as formas anatômicas do corpo, muitas vezes até descaracterizado do que se entende como real, desta forma, o uso de medicamentos e produtos que aumentam a massa muscular tem ganhado cada vez mais espaço. Botelho (2009, p. 105-107) destaca que muitas mulheres usam hormônio masculino como a testosterona e anabolizantes o que acaba em lhes dar alguns traços masculinizados. Isso se justifica, de acordo com Botelho (idem, p. 116), pela a recompensa adquirida no final: “a gratificação pessoal e um prazer do corpo”3.

“O risco é parte do cotidiano dessas atletas e a disponibilidade de uma série de produtos no mercado, além do fácil acesso a eles, compõem o quadro de riscos experimentados por essas mulheres no desejo de transformarem seus corpos para fazerem parte do universo do fisiculturismo. Os riscos não são percebidos como riscos ou são minimizados e consentidos frente a um objetivo a ser alcançado.”

Além disso, o ideal de promoção individual difundido nos Estados Unidos torna práticas como o uso desses medicamentos e produtos algo justificável já que “a beleza é um capital, a força, um investimento” 4, sendo assim, há necessidade de mantê-los já que ambos são valores de troca no âmbito social5.
Faz-se necessário salientar que, muito além do valor financeiro, o que se congrega entre as fisiculturistas é a realização pessoal. Para estas, a busca pela felicidade está diretamente ligada à imagem estética conseguida através do suor, exercícios pesados, dores, dietas rígidas e riscos corridos em torno do objetivo de se torna “puro músculo”, assim como salienta Botelho(2009, p. 117).

Pode se afirmar, assim, que tal prática representa, para essas mulheres, uma realização pessoal e, nesse sentido, uma possibilidade de atribuir sentido à vida. O fisiculturista pode ser considerado a hipérbole do ódio à gordura na sociedade moderna e esse ódio o transforma em uma máquina de produzir músculos, a qualquer custo, daí os riscos corridos.


3. Considerações Finais

Cabe aqui destacar que a visão de corpo perfeito tende a modificar tanto coletivamente quanto individualmente e que nem sempre essas duas vertentes caminham em harmonia. Os meios de comunicação vendem diariamente corpos femininos perfeitos: esguios, delicados, quase sobrenaturais. Mas mais do que isso vendem a total aversão ao “não-saudável”, ou seja, ao gordo, ao magro demais, enfim, o contrário àquilo que está sendo disseminado.
As praticantes do fisiculturismo podem ser entendidas com um grupo que se insere nesse contexto, mas levam esse culto ao corpo ao extremo, assim com Botelho (2009, p. 116) salienta em sua pesquisa.

Notei que, entre as atletas de fisiculturismo o padrão estético mais corrente na sociedade hoje não é um projeto para elas. O que não significa que essas mulheres não seguem um padrão também estabelecido pela sociedade, já que a busca por músculos salientes e uma hiper definição corporal, parece ser mais ligado ao ódio que a sociedade vem cultivando pela gordura e a necessidade de se controlar o corpo e molda-lo. Existe uma necessidade de se criar uma marca de diferenciação, de se destacar como corpo dentro desse grupo, em busca de status e de diferenciação.

O conceito de feminilidade adquiriu novas formas; formas estas inseridas nesse contexto de transformação corporal ligada ao paradigma da purificação total do corpo na busca do “belo”; um belo tão acentuado que acaba por perde a sua forma humana, mas o qual todos devem idolatrar.





Notas:

1. Tomou-se por base a classificação do Fisiculturismo (Body-building) como uma prática esportiva pela definição dada pela Confederação Brasileira de Culturismo e Musculação.

2. A expressão “teoricamente” foi utilizada já que as atletas femininas desse esporte destacam a falta de patrocínio e incentivo a essa categoria do halterofilismo e o fisiculturismo. Muitas delas não conseguem se manter somente com a prática do esporte, tendo que procurar outras atividades para sustento financeiro e a prática do esporte.

3. COURTINE, Jean-Jacques. “Os stakhanovistas do narcisismo: Body-building e puritanismo ostentatorio na cultura americana do corpo”. In : SANT´ANNA, Denise (Org.). Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995. p. 99.

4. COURTINE, Jean-Jacques. “Os stakhanovistas do narcisismo: Body-building e puritanismo ostentatorio na cultura americana do corpo”. In : SANT´ANNA, Denise (Org.). Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995. p. 98.


5. O valor de troca aqui utilizado é similar ao que trata Courtine quando se refere às primeiras mulheres que participavam de concursos de Miss América. “A exposição pública de seus corpos permite a algumas mulheres uma maior mobilidade social e profissional” (1995, p. 98). Pode-se dizer que contexto do fisiculturismo há uma certa mobilidade social para a categoria feminina, assim como relata a pesquisa de Botelho (2009, p. 117): “O corpo é visto por essas mulheres, não só como um instrumento de trabalho, o corpo é percebido como o próprio capital, como um meio de ascender socialmente. (...) Esse modelo, adotado pelas fisiculturistas em seu mais alto grau, torna-se através do sacrifício, da dor, da rotina de treinamento, das dietas, da alimentação rígida, um meio de se obter sucesso e prestígio na carreira e na vida pessoal.”








REFERÊNCIAS:

BOTELHO, Flávia Mestriner. Corpo, risco e consumo: uma etnografia das atletas de fisiculturismo. Revista Habitus: revista eletrônica dos alunos de graduação em Ciências Sociais - IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 104-119, jul. 2009. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 04 dez. 2009.

COURTINE, Jean-Jacques. “Os stakhanovistas do narcisismo: Body-building e puritanismo ostentatorio na cultura americana do corpo”. In : SANT´ANNA, Denise (Org.). Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995. p. 81-114.

LESSA, Patrícia; OSHITA, Tais Akemi Dellai; VALEZZI, Mônica. Quando as mulheres invadem as salas de musculação: aspectos bissociais da musculação e da nutrição para mulheres. CESUMAR,v. 09, n.02, p. 109-117, jul./dez. 2007

SIBILIA, Paula. O show do eu: A intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

OS MILÉSIMOS LEVADOS AO EXTREMO - Por Mariana Florito



OS MILÉSIMOS LEVADOS AO EXTREMO
- Quando o os limites do corpo são superados –

Introdução
Atualmente, um dos conflitos morais mais complexos e que tem uma conotação evidente em todas as camadas sociais, uma vez que conta com a influência da mídia, é a questão do doping. Sendo assim, os princípios que permeiam o esporte como o "fair-play", a "ética esportiva", o "ideal olímpico", o "espírito esportivo" passam a ser cotidianamente desconstruídos.
Diversos são os estudos publicados a respeito deste assunto, geralmente buscando esclarecer o que vêm a ser doping sob o pretexto de condená-lo devido a seu caráter ilícito. No entanto, pretendo mostrar o doping na perspectiva do esporte, procurando não me ater a conceitos e definições, tendo assim o questionamento como foco principal.
A primeira substância realmente efetiva de melhora da capacidade de rendimento humano foi a anfetamina, criada por bioquímicos alemães, em 1938, inaugurando assim uma busca incessante pela superação dos limites humanos, denominados no esporte de recordes. São exatamente esses "limites do corpo" que este estudo objetiva questionar. Dentro da lógica do proibido e do liberado o que se pode considerar como válido na quebra destes recordes? E, partindo da lógica de esporte como superação, qual o sentido então de se proibir os recursos que podem contribuir para tal finalidade?
O melhoramento genético, atribuído a mais nova forma de doping no esporte (por enquanto) também endossa os problemas levantados neste estudo. Por que seriam os genes, como um composto "natural" do organismo, considerado doping?
Tecnologia como extensão do corpo
Quando o americano Tan Burke calçou um par de sapatilhas com pregos nas solas e se agachou para a largada dos 400 metros na primeira Olimpíada da Era Moderna, em 1896, em Atenas, na Grécia, seus adversários – que estavam em pé – olharam desconfiados. Mas Burke levou o ouro nos 100 e nos 400 metros. Era inegável que sua postura e as sapatilhas garantiam maior impulso na largada e estabilidade no resto da prova.
Ultimamente temos assistido, a cada competição, uma evolução de performances que, geralmente, é atribuída aos atletas. Mas, os olhares mais atentos percebem que no centro dos principais avanços dos últimos tempos está a informática, que aliada a outras áreas como a medicina, a biomecânica, a farmacologia, tem constituído toda a parafernália tecnológica utilizada na preparação dos esportistas e os equipamentos que eles usam que, de tão perfeitos, parecem extensões de seu corpo.
O ser humano não para de se superar, isto é fato, considerando que as marcas esportivas não são pensadas apenas como limites do esporte, mas como fronteira a serem alcançadas e principalmente superadas – pela humanidade. A maioria dos recordes de algumas décadas atrás estava em marcas que hoje são atingidas por atletas amadores. Uma parte se deve, de fato, a avanços técnicos e melhor condicionamento físico, mas a maior parte está nos avanços tecnológicos.
Hoje, qual será a influência de tecnologias nos recordes que superam limites aparentemente definitivos? E, considerando a conceituação de doping no esporte, como o uso de um artifício, substância ou método capaz de aumentar a performance do atleta ou, a grosso modo, tentativas de superar limites, porquê "essas tecnologias" não endossam à lista de doping? Pelo contrário, seu uso é estimulado quando não vira regra.
Os atletas de hoje, em muitas modalidades, dependem tanto de tecnologias que já vivem situações semelhantes à Fórmula 1 de automobilismo, em que o papel do piloto está próximo de ser o de não atrapalhar o desempenho da máquina. Se pensarmos na conceituação do esporte dentro das quais as formas de doping podem incluir outros tipos de tecnologias, como o equipamento esportivo, se torna difícil racionalizar a diferença ética entre uma câmara de altitude e um doping sanguíneo ou entre um taco de beisebol de alumínio e uma roupa de natação de neoprene.
É possível que grandes atletas, com talento "nato" e aprimoramento por treinamentos espetaculares não atingissem tamanho desempenho se não tivessem a disposição certos equipamentos. Refiro-me a bicicletas aerodinâmicas, tecidos que aceleram a evaporação do suor, calçados que compensam defeitos estruturais no pisar de um corredor, piscinas com "quebra-ondas" que contêm a turbulência provocada pelos nadadores na água, pistas especiais, varas de salto que garantem uma mecânica de impulsão, a roupa de natação “FastSkin” que gerou controversa nos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000, entre outros. O conhecimento científico carece de pesquisas a respeito do quanto às performances atuais se devem à evolução do equipamento.
Será que os limites do corpo no esporte devem ser apenas os limites naturais (abro parêntese para alertar sobre a dificuldade de se definir limites naturais do corpo humano), sem nenhum estímulo tecnológico ou químico? Se estes valem até que ponto são considerados um recurso ergogênico liberado ou proibido - doping?
Melhoramento Genético: limites do corpo ou doping?
Uma outra questão que vem levantando discussões frenéticas no âmbito esportivo diz respeito à pesquisa genética no esporte. Segundo Andréa Ramirez, geneticista do Instituto de Biologia da USP, em entrevista a Revista Phorte, essas "pesquisas consistem basicamente na introdução de genes ou células geneticamente modificados nos tecidos humanos com o objetivo de bloquear a atividade de genes prejudiciais, ativar mecanismos de defesa imunológica ou produzir moléculas de interesse terapêutico." E acrescenta que tais pesquisas geraram um conflito, rotulado de doping genético no esporte.
Que os genes interferem na performance de um atleta é certo , até porque, determinadas características físicas são essenciais dependendo do esporte. Mas será que os geneticistas serão capazes de isolar um gene específico do desempenho? Se isso ocorrer, considerando os genes como constituição do corpo humano, estaríamos diante de mais um recurso ergogênico utilizado no esporte ou um doping? Como discernir se a presença de atletas geneticamente modificados terá sido por terapia gênica ou doping genético?
Os argumentos éticos contra o uso de doping no esporte não tem a mesma força quando aplicado à modificação genética. Além disso, seria um erro categorizar melhoramento genético meramente como outra forma de doping, já que é, conceitual e culturalmente, um tipo diferente de tecnologia.
"Não há nada de errado com uso da informação genética para procurar pessoas geneticamente superiores para o esporte de elite"
Presidente do comitê Olímpico Internacional, Jacques Rogge

Quanto a este assunto, a detecção e seleção genética de talentos esportivos, estaria a ciência concretizando o que Hitler pretendia para a humanidade, a eugenia. Seria o risco do uso da tecnologia por uma eventual sociedade totalitária?
A perspectiva de criar um humano que possa correr os 100 metros rasos em 5 ou 6 segundos é uma idéia corrente atual (e do futuro próximo) ridícula no ambiente científico. Igualmente a possibilidade de criar um atleta com capacidade de não se cansar em corridas de longa distância. As autoridades esportivas internacionais já estão começando a assumir essas novas tecnologias sob o termo comum: doping. Assim, as instituições já estão rejeitando o uso da tecnologia genética no esporte antes mesmo de esta ter sido teorizada.
Há quem defenda a aplicação da genética no esporte como um recurso totalmente concebível, já que a elite esportiva está sempre à procura de novos meios de melhorar o desempenho. Contrariamente, outros geneticistas consideram tais aplicações impossíveis, pois os genes são muito complexos para realizar modificações esportivas específicas, considerando este tipo de pesquisa, além de um desperdício de recursos em uma busca fútil, inaceitável.
Recorro a uma reportagem da revista Superinteressante (1996) em que o médico Marcel Bouley, do Laboratório de Ciências da Atividade Física da Universidade de Laval, em Quebec, Canadá, afirma que a instituição, há 10 anos, tenta determinar a configuração genética do superatleta e que "é um trabalho demorado, pois depende da seleção de atletas e da análise de todos os genes do DNA deles". Continuando a entrevista diz ainda que os resultados das pesquisas devem começar a aparecer em dez ou quinze anos. Bem, estes anos já se passaram (visto que a reportagem foi concedida em 1996), a probabilidade da "máquina de ouro" canadense Michael Phelps, ser fruto ou "mérito" destas pesquisas é grande.
É importante reconhecer que atletas geneticamente modificados nada mais são do que o próximo estágio do uso de outros meios tecnológicos, que estão lentamente aumentando as possibilidades do que o homem pode fazer.
Por enquanto, já que só se pode julgar certas pesquisas com o conhecimento que se tem do presente e não com a previsão do que venha a ser o futuro (parafraseando o médico Marcel Bouley, citado anteriormente) ficamos com a conclusão das conseqüências deste tipo de pesquisa apenas realizadas no meio animal: quem há de se esquecer da gripe do frango ou da doença da vaca louca? Quem garante que estes vírus não surgiram em alguma manipulação genética para um "melhoramento" de tais animais? Recentemente "criaram" a gripe suína. E quando essas conseqüências começaram a se apresentar a nível humano como serão denominados os nossos atletas ou as nossas doenças? Alguém arrisca um palpite?
Esporte = a saúde?
A mídia, repetidamente, demoniza os atletas que usam drogas. O que acontece é que o sistema esportivo tenta preservar uma imagem mercadológica de pureza. A convivência com drogas, sejam elas legais ou não, parece ser uma necessidade no esporte de alto rendimento, dada às exigências competitivas as quais os atletas são submetidos, além da pressão exagerada para se superar os limites humanos, criando assim, um clima em que a utilização do doping é até influenciada, pode-se dizer.
A questão sobre o que é legal e o que é proibido, o jogo entre o licito e o ilícito, foi levantado nos tópicos anteriores, a intenção agora é buscar entender os motivos reais e racionais da proibição do doping no esporte.
Analisando os objetivos do esporte performance e as drogas que são criadas para colaborar com esta performance fica difícil entender esta lógica. Outro fator que contribui para a incompreensão do caso é que os grupos farmacêuticos internacionais que produzem as substâncias dopantes são os mesmos que dominam as tecnologias de elaboração dos testes antidoping. O uso do doping pode ser visto como uma grande fonte de lucro para os laboratórios e indústrias farmacêuticas, pois são eles que produzem não só as substâncias ilícitas – que se tornam mais lucrativas ainda porque são ilegais – mas porque, ao mesmo tempo, são eles também que dominam as tecnologias dos instrumentos e reagentes que compõem os testes antidoping.
Para um sistema esportivo que se estabelece na performance e na busca incessante pela melhoria do desempenho do atleta, o doping pode ser considerado "uma estratégia racional", já que o aumento do rendimento é uma condição intrinsecamente ligada á própria natureza da competição esportiva.
Um simples milésimo de segundo entre uma conquista de uma medalha de ouro e uma de prata pode significar para um atleta de alta competição o recebimento de milhões de dólares em prêmios e quantias enormes de dinheiro para os respectivos patrocinadores. E é por esta razão, absurda e desumana, que milhares de campeões usam o doping para atingir níveis de competitividade acima das suas próprias capacidades “naturais”.
O corpo se torna então manipulável, uma vez que o uso de algum tipo de droga, seja ela para recuperar-se mais rápido da fadiga, tirar as dores, metabolizar melhor e mais velozmente, parece ser imprescindível para o esporte de alto rendimento.
Os escândalos sobre doping não envolvem apenas os atletas, nos bastidores, permeia também e, principalmente, os patrocinadores, os dirigentes e instituições esportivas, a indústria farmacológica, médicos, enfim toda uma máfia que geralmente a mídia não mostra, pois nenhum patrocinador quer ver seu nome envolvido em escândalos. E mais uma vez os interesses econômicos tem definido os rumos do esporte contemporâneo e seus subterfúgios.
Diversos são os posicionamentos que condenam o uso do doping no esporte, pois o que se tenta mostrar é que o esporte é a salvação para todas as mazelas da sociedade, uma referência de sucesso. No entanto, o que não é mostrado é que, se a legislação vigente que se julga preventiva e purificadora do esporte não parece atingir seus objetivos, pois sua existência pressuporia alta capacidade de controle, de modo que as ocorrências de doping diminuíssem, o que não tem acontecido.
Outro argumento, que diz respeito à saúde, não fica difícil ser derrubado, tendo em vista tudo o que foi discorrido até aqui. Já que são elementos não naturais, tornam-se prejudiciais a saúde, como se o esporte de elite, em si mesmo não fosse cheio de riscos e problemas para a saúde.
Um último argumento seria de que o doping não pode ser usado sob pretexto legal, físico e moral. Embora pareça inquestionável, devemos reconhecer que as formas de burlar as regras têm privilegiado, principalmente, os atletas de maior recurso (patrocínio). Mas é da natureza do esporte competitivo, onde, para cada um que ganha inúmeros outros perdem, confrontar sua própria moral, dadas às injustiças. Portanto, o uso de recursos e métodos adicionais não altera a essência do prejuízo dos que perdem.
Considerações
A discussão de fundo deste estudo tentou mostrar que o doping no esporte deve ser analisado sob os conceitos do que entendemos o humano, O rendimento e, portanto, os mecanismos artificiais de melhoria da performance humana só serão aceitáveis quando estiverem "a serviço do organismo vivo".
As drogas, além de outros recursos, são produtos do próprio desenvolvimento científico em "prol" do esporte, então, temos a ciência como principal responsável pela sofisticação do doping e seu caráter prematuro em relação aos testes. Como seria inconcebível barrar os avanços da ciência, o mais producente no momento é a (in) formação crítica dos espectadores.
Neste sentido percebemos que a mídia tem um papel fundamental no fornecimento de conhecimento e discussão para as pessoas que estão direta ou indiretamente ligadas ao assunto, pois, uma vez que sua intervenção na vida humana tem ocorrido efetivamente, seria interessante que ela preparasse essas pessoas para enfrentar tais polêmicas de forma consciente e responsável. Pois, embora os raciocínios que vão de encontro ao uso do doping no esporte sejam plausíveis, parecem não constituir razões suficientes para avaliar a situação em toda sua complexidade.
Por fim, todos os argumentos levantados e pensados, ao longo deste estudo, sobre a questão do doping no esporte e o que o envolve levaram-me a acreditar que o limite do ser humano deve ser a sua própria integridade e o respeito à sua dignidade o homem é corpo e não apenas tem um corpo. Qual é o seu limite?

Referências Bibliográficas:
AMÍLCAR, Heitor e WORCMAN, Nira. A fabricação do atleta de ouro. Reportagem da Revista SuperInteressante, Julho de 1996;
BEZERRA, Benilton. “O ocaso da interioridade e suas repercussões sobre a clínica”. In: PLASTINO (org.). Transgressões. Rio de Janeiro: Ed. Contracapa, 2002; p. 229-239.
KURTZWEIL, Ray. “Ser humano versão 2.0”. Folha de São Paulo, 23/03/2003; p. 4-9.
LENT, Roberto. “Não é mais ficção”. (Entrevista realizada por Daniela Pinheiro). Revista Veja. São Paulo, 27 de setembro de 2006.
SIBILIA, Paula. “Ser humano”, “Natureza”, “Biopoder”. In: O homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Ed. Relume Dumará, 2002.
SOUZA COUTO, Edvaldo. “Corpos dopados. Medicalização e vida feliz”. In: RIBEIRO, Paula Regina Costa; SILVA, Méri Rosane Santos e GOELLNER, Silvana Vilodre. Corpo, gênero e sexualidade. Composições e desafios para a formação docente. Rio Grande (RS), Editora FURB (Universidade Federal do Rio Grande), 2009, pp. 43-53.
RAMIREZ, Andréa. Pesquisa genética no esporte e o conflito suscitado pelos atletas geneticamente modificados. In: Informe Phorte, nº 24, 2009;
REVISTA EXPRESSO. Doping o escândalo encoberto. São Paulo, p. 1 – 2, 22-Fev-1999;