domingo, 29 de novembro de 2009

"Michael Jackson" - Por Bruno Thebaldi

Pense sobre as gerações e diga que queremos fazer um mundo para nossos filhos e os filhos dos nossos filhos. Então, nesse dia, eles saberão que têm um mundo melhor para eles; e pense se eles terão um melhor lugar”,

Trecho de “Heal the world”, Michael Jackson.




1.0 AS RINOPLASTIAS E ALGO MAIS


Ele ganhou notoriedade, em meados da década de 1960, como líder de um quinteto, embora fosse o de menor idade dentre os membros do grupo. Ainda assim, em poucos meses, estourou com “ABC”, “I’ll Be There”, “I Want You Back”, entre outros sucessos. No final dos anos 1970, lançou-se em carreira solo, consolidada na década seguinte ao se tornar conhecido mundialmente como o “Rei do pop”.
Michael Joseph Jackson. Muito se falou e especulou a respeito de sua vida e carreira. Afinal, com o escopo de viver 150 anos, dormiria ele numa câmara hiperbárica?; Michael se submetera a uma penca de rinoplastias porque queria que seu nariz fosse semelhante ao de Diana Ross?; seu embranquecimento fora proposital?
Quando despontou para o sucesso, ele era apenas um menino com oito anos de idade, cabelo estilo black power, e que adorava imitar os passos do também cantor Stevie Wonder. Não obstante, ao contrário da maioria das outras crianças, desde muito cedo seu pai lhe imputou uma pesada rotina: todos os filhos da família Jackson eram obrigados a atravessarem longas horas em sessões de ensaios de dança e canto, nos quais Joseph Jackson lhes “moldava”, ensinando-lhes a se comportar perante a plateia.
O caráter disciplinador, coercitivo e punitivo outorgado pelo patriarca da família Jackson era feroz, e tal qual um cão de guarda, Joseph não permitia um deslize sequer de sua prole. Quando os resultados se quedavam aquém do que o exigente pai almejava, ou quando algum dos filhos descumpria com a rotina exigida, seguia-se uma penalização, em não raros castigos corporais.














Michael Jackson aos 12 anos de idade: o “menino prodígio” que se converteu no “Rei do pop”.


Com os ossos, músculos e membros ainda em desenvolvimento, talvez o esforço fora em demasia para um corpo que nem sequer havia completado uma década, embora já fosse exigido bem como uma “máquina adulta”. De fato, não apenas seu corpo sofrera, mas também sua mente, especialmente pelos traumas que atravessara, sobretudo provindos de Joseph, através de espancamentos e humilhações, ademais da conhecida história da infância perdida.

Bem verdade que a maneira mais corriqueira para se exorcizar os traumas, ao menos por enquanto, é tomar o caminho dos consultórios dos psicólogos, quando não, dos psiquiatras. Porém, com o desenvolvimento feroz dos mecanismos da tecnociência, faz-se cada vez mais próxima a era em que se um sujeito quiser se alforriar de memórias indesejadas, bastará, quem sabe, engolir um comprimido, implantar alguns nanorobôs, ou, por que não, submeter-se a um procedimento cirúrgico qualquer, no qual os cientistas poderão “apagar”, de modo análogo à ação da tecla “delete” dos teclados de computadores, as imagens negativas da área do cérebro em que se encontram armazenadas.
Se no conto de Frankenstein o corpo humano, ou melhor, seu recôndito, havia sido “profanado” pelos dedos do cientista-criador, presentemente, os “cientistas-escultores” engajaram-se numa corrida, não mais aeroespacial, e tão pouco armamentista, e sim por resultados estéticos e performáticos.
Na mesma linha, a saída que Michael Jackson encontrou para se emancipar de parte dos pesadelos de infância fora se entregar aos bisturis dos cirurgiões plásticos: vendo-se mais e mais parecido fisicamente com a figura de seu pai, ademais de crer-se um sujeito desprovido de beleza estética, o astro pop recorreu aos “pigmaleãs” modernos, isto é, àqueles que (literalmente) têm o “poder” de esculpir o corpo humano, maculado por falhas e defeitos.












Michael Jackson: à esquerda em 1979; à direita em 1983. Em ambas as imagens o astro já exibe seu nariz “esculpido”.

A primeira rinoplastia de Michael Jackson se decorreu em 1979 em virtude de uma queda que resultou na quebra de seu nariz. Entretanto, com o passar dos anos, o “Rei do pop” submetera-se a inúmeras interferências no nariz. Às vezes, o fazia para afastar-se da imagem de seu pai; outras pois lhe prejudicava a respiração; ou para corrigir eventuais falhas das precedentes, caindo em um ciclo vicioso. Na biografia do cantor, escrita por Tamborrelli, afirma-se que Michael passara por pelo menos dez cirurgias. O autor ainda diz: “por anos e anos, cirurgiões plásticos não ligados ao caso especulavam se seu nariz [...] é feito de cartilagem, osso ou látex”.

As incontáveis plásticas renderam uma enchente de piadas ao redor do planeta: (a) Michael queria afinar o nariz?; (b) queria o nariz da Diana Ross?; (c) queria se distanciar da aparência de Joseph?; (d) não tinha mais nariz?
Em verdade, passados tantos procedimentos, seu nariz ficou sem a devida cartilagem na extremidade, obrigando o astro a aplicar uma prótese, o que nem sempre se dava; daí resulta que víamos ao cantor usando máscara cirúrgica com certa freqüência.
A sociedade atual, ávida por vender e impregnar na mente dos sujeitos seu conhecido padrão de beleza e estética (corpo jovial, magro, definido, com músculos, branco ou levemente bronzeado, livre de gorduras, impurezas, marcas, rugas e cia.) não enxerga mais como “profanação” as interferências cirúrgicas no corpo humano; pelo contrário, sorri de braços abertos diante de seus “milagrosos” resultados. Contando com o apoio de uma mídia afoita em distribuir auto-estimas estampadas em monumentais corpos, ofertados juntamente com as “alegrias do marketing”, os procedimentos técnicos são vendidos em longas e suaves prestações, acessíveis ao lado de um extenso talão de cheques ou de um cartão de crédito dos sonhos, conquanto parecem cada vez mais se digitalizarem. Sendo assim, ter o corpo “que você pediu a Deus” não só está ao alcance das suas mãos, como “não tem preço”.
As intervenções passaram a ser comercializadas como meros retoques digitais, tal qual atua o famoso (e no mundo do espetáculo praticamente indispensável) Photoshop. Porém, ao contrário do afamado software, o corpo “retocado” é “devassado” pelos cortes dos bisturis e por posteriores cicatrizações da pele, etapas que o processo fetichizante da estética “deleta” do alcance de nossas vistas, ocultadas em prol do fruto. Logo, para estar apto a usar os trajes de banho do verão é preciso muito mais do que uma generosa conta bancária, acesso ao crédito financeiro ou trinta minutos deitado numa cama cirúrgica.
Além das incontáveis intervenções no nariz, em 1986 o cantor ainda se submeteu a uma operação plástica com o intuito de criar uma covinha em seu queixo. Não é de admirar que, a respeito das plásticas, Michael Jackson articulou que “não é nada demais [...]. Depois da primeira, nem dói mais tanto assim. Depois que você tiver feito, não vai conseguir parar de se olhar no espelho, de tão satisfeito”.


2.0 A CÂMARA HIPERBÁRICA


No ano de 1984, Michael Jackson sofreu um sério acidente ao gravar um comercial para a marca de refrigerantes Pepsi, nos EUA: seu couro cabeludo ficou em chamas, rendendo-lhe enxaquecas ao longo de anos. Foi na ocasião da internação hospitalar por causa deste incidente que Michael se deparou com uma câmara de oxigênio de alta pressão, conhecida como câmara hiperbárica, utilizada no tratamento de queimados. O cantor volveu a lembrar-se do equipamento dois anos depois, quando a empregou como estratégia para promover uma parceria com a Disneylândia. Para tal, deixou-se fotografar deitado dentro de tal engenhoca e difundiu a foto, espalhando-a juntamente com o boato de que com o aparelho pretendia prolongar sua vida até os 150 anos. Rapidamente o burburinho se alastrou pela mídia, causando colossal assombro na sociedade.



Cena da novela “Na câmara hiperbárica com Michael Jackson”: foto divulgada pela equipe do cantor com pretexto promocional.


Como já dito, tudo não passou de um truque publicitário. Entrementes, a idéia de prolongar a própria existência permanece como um dos grandes desejos das “ciências da vida”. Vencidas as barreiras geográficas (aos seres humanos já lhes são permitidos grandes deslocamentos através dos meios de transportes), os cientistas se debruçaram em vencer outro empecilho que, de maneira pertinaz, insiste em desafiá-los: o tempo.
Alguns avanços já foram obtidos na melhora do desempenho do frágil e débil corpo humano, como na derrubada e na ultrapassagem de limites físicos considerados “normais” ou “naturais”, ancorados pelos inventos da tecnociência. Outrossim, a estimativa de vida dos humanos não pára de crescer, no entanto, padece anos-luz da almejada vida eterna. Por outro lado, sabe-se que o implante de pequenas partículas, conhecidas como nanorobôs, no corpo e organismo do homem não é mais um artifício das películas de ficção científica, por isso, nos dias que nos contemporizam, se o “ídolo pop” quisesse impressionar ao público, atrair a mídia e divulgar sua aliança comercial, outra maneira de alardear sua intenção de “viver 150 anos” seria mostrar-se implantando nanorobôs, ou qual dispositivo tecnológico que fosse, ao corpo.
É inegável que o uso dos produtos derivados das pesquisas da tecnociência invadiram o dia a dia das pessoas, dominando-as e seduzindo-as, maliciosamente, com a promessa de lhes proporcionar aquilo o que elas querem, bastando escolher o produto certo, dentro de uma variada cesta de opções, geralmente expostos nas gôndolas de uma infinidade de estabelecimentos e ou na tela de nossos computadores pessoais, através dos portais da internet. Eis a era do self service da saúde e do bem estar: cremes antienvelhecimento, lipoaspirações, géis corretores, máscaras de relaxamento, redutores de gordura e seus derivados, os quais vieram à tona com a promessa de dar a nós, simples mortais, alívio em nossas tensões e medos, como o de envelhecer e ou o de engordar.
No entanto, essa invasão tecnológica no corpo humano vem encontrando fortes resistências. Há quem advogue que a implantação de chips possa representar uma séria ameaça à intimidade. E se as informações armazenadas nesse “cartão de memória” pessoal e intransferível vazarem e caírem em “mãos erradas”? Se por um lado pode-se tomar conhecimento do potencial para o desenvolvimento de determinadas patologias, e, por conseguinte, combatê-las antes de se desenvolverem, por outro a evasão dessas informações podem impactar até mesmo na escolha ou não do indivíduo para uma vaga de emprego, por exemplo.
Tal desdobramento e avanço tecnológico podem ser explicados quiçá pela reformulação no tabuleiro de prioridade das ciências: se outrora, predominava a “medicina curativa”, em outras palavras, aquela que visava estabelecer a cura, ou pelo menos minimizar eventuais impactos sofridos pelo ignóbil corpo humano, presentemente observamos o fortalecimento da “medicina estética”, isto é, aquela que tem como finalidade a almejada busca pela “qualidade de vida”, evidentemente embasada nos pressupostos dos “imperativos de saúde” e dos “padrões de beleza”.
É possível, até mesmo, traçar uma comparação, a nível metafórico, entre os dois momentos da medicina observados e descritos acima: o primeiro se relacionaria com o mito de Prometeu, deus grego duramente penalizado, tão logo descortinara o fogo aos seres “comuns”; conquanto o segundo se ligaria ao mito de Fausto, aquele que é capaz de vender a própria alma para alcançar seus objetivos e metas, sem se ater às conseqüências. Ou seja, enquanto a “medicina curativa”, ou “tecnociência prometéica”, precupava-se com o ônus das intervenções cirúrgicas e/ou do advento de suas descobertas, a “medicina estética”, ou a “tecnociência fáustica”, parece visar apenas e tão somente o resultado de suas criações, ofuscando seu ônus em função do (tão) requerido bônus. E, infelizmente, na ânsia de liderar a desenfreada corrida pela maior quantidade de novidades apresentadas, os produtos são colocados no mercado cada vez menos testados pelos laboratórios. Assim, não é de se estranhar que, vez ou outra, um medicamento tenha sua comercialização banida por “consertar de um lado, estragar de outro”, quando não levando à morte de parte de seus consumidores.
Nesse sentindo, se o Dr. Frankenstein tivesse que montar sua criatura nos dias de hoje, em vez de fuxicar por tumbas e remexer em restos de cadáveres, provavelmente os deixaria “descansando em paz”. Em vez disso, pediria auxílio aos “escultores do corpo”, apadroados por “Pigmaleão”; e, além do mais, nenhum ser moderno suportaria ostentar tantas marcas de cortes e cicatrizes pelo corpo, resultantes das costuras e das potentes descargas elétricas. Ou, quem sabe, se o Dr. Frankenstein “brincasse de Deus” no presente, ao menos realizaria um transplante de rosto em sua criatura, dando-lhe um aspecto menos cadavérico e mais de “menino do Rio”.



Em 1987: muita maquiagem para proporcionar o tom de pele mais claro que seu natural, e várias rinoplastias depois...




3.0 O VITILIGO


Em vida, Michael Jackson foi a mais perfeita ilustração de que não precisamos mais dizer “amém” ao que a natureza dos nossos intricados genes determina à construção do nosso fenótipo. “Minha maior alegria era saber que podia escolher como seria meu rosto” , teria afirmado o cantor. No entanto, com o passar dos anos não foi apenas seu rosto que cambiou, mas também a cor de sua pele.
Muito antes de anunciar que sofria de vitiligo, moléstia que provoca a perda da pigmentação, sabia-se que Michael Jackson fazia uso de medicamentos indicados para o clareamento da pele. Há quem sustente que esta era outra de suas artimanhas para se distanciar da aparência de seu pai, no entanto tais conjecturas não passaram do campo dos boatos e das especulações.
Foi na época de álbum Dangerous, no início dos anos 1990, quando o “astro pop” estourou com megasucessos como “Heal The World”, “Remember The Time” e “Black Or White”, que o público se deparou com um Michael Jackson não mais negro – cuja imagem fora imortalizada como mito em clipes tais quais “Thriller”, “Beat It” e “Billie Jean” -, e sim com a pele embranquecida. De princípio, fora um susto, mesmo vindo de alguém cujo nome não escapava de estampar a capa dos tablóides mais sensacionalistas do planeta, estrelando esquisitices em série, como o interesse em comprar os restos do “homem elefante”.




Com o embranquecimento, Michael Jackson passou a ser visto com seu famoso “escudo” de proteção contra os raios solares: roupas negras e compridas, chapéu, óculos e guarda-chuva. O vitiligo deixa a pele extremamente sensível à ação dos raios solares.



Não é mais segredo a ninguém que há muito os cientistas conquistaram e dominaram a natureza, ao menos no que concerne a concepção de novas espécies. Exemplos disso são a criação de espécies e mais espécies de alimentos geneticamente modificados, os chamados trangênicos, cujos efeitos sobre o organismo humano, todavia, seguem levantando acalorados e antagônicos debates; a criação de sementes terminais, isto é, aquelas que são capazes de render apenas uma colheita; e nem mesmo os animais escaparam dos cruzamentos em laboratórios: do clone da ovelha Dolly ao “fabrico” de porcos fosforescentes, os laboratórios transformaram-se num pet shop a la carte, onde o freguês, em breve, poderá montar seu animalzinho de estimação de acordo com seus gostos mais exóticos, dando asas à imaginação: cruzamento de genes de cachorro com outros de cavalo, elefantes com hamisters, tartarugas com gatos, coelhos com aves etc. Ao menos na propaganda já pudemos presenciar um cruzamento de tipo extravagante: um excêntrico animal meio cachorro, meio peixe, que acompanhava seu dono em suas aventuras com seu, também muito querido, carro (igualmente de estimação). Apesar do cunho de comicidade de dita propaganda, o plano real não está mais tão longínquo de tal possibilidade.
Com a codificação do patrimônio genético de diversas espécies, o chamado genoma, as criaturas foram convertidas a meras informações, nada mais que a combinação de trilhões de seqüências genéticas possíveis. Com isso, estamos mais digitalizados do que nunca. Não obstante, nem tudo são flores. Corre-se o risco do reaparecimento da eugenia, estratégia empregada pelos nazistas para promover uma “limpeza” genética, suprimindo características que consideravam indesejadas na raça humana. No entanto, no século XXI, seria uma versão soft ou “pós-moderna” da eugenia: agora, quem decide que características ou não excluir do software humano, é ninguém menos que o próprio indivíduo.


No caso de Michael Jackson, como em tudo que se passou com ele, pipocaram porções e mais porções de mirabolantes versões sobre seu embranquecimento: preconceito contra a própria cor?; nova tentativa de promoção?; plásticas propositais?; e por aí vai.

Recentemente, seu filho “descoberto” postumamente à passagem do cantor, foi diagnosticado como portador do mesmo mal que sacou a pigmentação da pele do pai.



4.0 O VÍCIO EM MEDICAMENTOS


Desde a queimadura que sofrera em 1984, Michael Jackson queixava-se de terríveis enxaquecas. Para saná-las, ou ao menos aliviá-las, o cantor recorreu a poderosas e mais poderosas doses de medicamentos. Como conseqüência, não tardou, seu organismo se tornou dependente de tais substâncias.
Para o escritor Jurandir Freire Costa, o astro pop se encaixaria naquilo que denomina de estulto, que em suas palavras “é a inépcia, a incompetência para exercer a vontade do domínio do corpo e da mente, segundo os preceitos da qualidade de vida” .
O autor ainda elaborou uma espécie de tipos ideais da estultícia, apresentando cinco categorias, das quais Michael Jackson encaixaria-se na de dependentes ou adictos, “isto é, os que não controlam a necessidade de drogas lícitas e ilícitas” , entre outros vícios.



O cantor em performance durante a turnê “History”, em meados da década de 1990. Segundo dizem, nesta época, Michael já costumava se apresentar sob o efeito de medicamentos.


Em 2009, Michael Jackson anunciou para o mundo que retomaria a carreira numa maratona de 50 concertos, a serem realizados em Londres, a partir de julho. Imediatamente houve uma enchente de “súditos” que disputavam, ingresso a ingresso, a oportunidade de rever o ídolo, afastado das turnês desde mais de dez anos.
Porém, as fatalidades da vida o impediram. As fatalidades da vida ou uma dose excessiva de um intenso medicamento aplicado por seu médico particular, no dia 25 de junho do mesmo ano: Michael acabou sofrendo uma parada cardíaca, logo falecendo.


Acima, Michael Jackson no momento em que anunciava seu esperado retorno aos palcos com a turnê “This Is It”, com a qual faria 50 concertos na capital inglesa. Sua morte permaneceu um mistério para muitos: Acidente?; Assassinado pela negligência de seu médico particular?; Vítima de seu próprio vício?; Complô motivado por interesses financeiros? – Ao que tudo indica, seu médico particular vai ser indiciado por homicídio culposo.



CONCLUSÃO


“Viva, seja feliz, mas respeite os imperativos da saúde”, nos berra o tempo todo os meios de comunicação. Assim, “não atentar contra a própria saúde” parece ser o primeiro dos mandamentos dessa atual tirania social. Sem embargo, por ironia, a mesma mídia que nos impõe o “terror psicológico da vida saudável” cria uma grande esquizofrenia: ao mesmo tempo em que nos empurra as disciplinas da alimentação saudável e da rotina de exercícios (especialmente no caso do discurso jornalístico), também influencia hábitos por ela mesma considerados “atentados” à saúde, como o consumo de fast food, refrigerantes e cigarros (por exemplo, através da veiculação de campanhas publicitárias). E mais contraditório ainda: vende-os como se fossem benéficos, legítimos “embaixadores da qualidade de vida”, atrelando-os à imagem de pessoas bem dispostas, sorridentes, jovens e cheias de energia. A Coca-Cola, por exemplo, em recente campanha, ofertava seu produto como tal qual fosse um salvo-conduto ao fim dos problemas individuais. A mensagem era explícita: “Eu quero abrir a felicidade”, dizia a publicidade, tendo ao lado a imagem de uma garrafa do refrigerante destampada.
Bem como já dizia o filósofo Michel Foucault, nos anos 1970, “fique nu… mas seja magro, bonito, bronzeado” . Passadas três décadas, seu pensamento persiste em voga, aliás com o boom das academias de ginástica - legítimos clubes de saúde, nos quais a palavra dos profissionais de educação física, os “papas do corpo”, são respeitadas como “parábolas da bíblia do bem-estar” por uma legião de fiéis “seguidores dos alteres” -, continua “bombando”. Em contrapartida, para que a exposição do pensador francês se enquadre com primazia à nova ordem mundial, mais prudente seria afirmar: “Fique nu... mas seja, musculoso, bonito, bronzeado”. Eis o segundo artigo da “carta magma da ditadura do corpo”, especialmente no caso dos homens e na ostentação apoteótica de seus impecáveis body building .
Não obstante, no caso do padecimento por algum tipo de estresse ou algo que saque o humor à pessoa, não há motivo para desespero. Na contemporaneidade, a felicidade nunca esteve tão próxima: além de dentro de uma embalagem da Coca-Cola, encontra-se igualmente aprisionada noutra simples solução, ou melhor, quimicamente preparada numa única cápsula: Prozac. Pode parecer outro paradoxo num primeiro momento, todavia nesta nova tirania é melhor viver “dopado mas feliz”, do que “deprimido mas limpo”, até porque o sofrimento impactua negativamente na saúde do indivíduo: rugas, olheiras, marcas de expressão... Para quê passar por isso, já que se pode contornar a tudo com uma pueril cápsula recheada de “pó mágico”? As “alegrias do marketing” (ou das drogas) estão aí para ajudar, se precisar é só chamar.
A análise das mudanças do comportamento corporal e da maneira com a qual enxergamos e cuidamos de nossa “máquina”, remete-nos à teoria debordiana. Se, na era do espetáculo, você é o que você parece, então o corpo é, naturalmente, a vitrine de sua essência. Logo, sua aparência física, se não diz tudo, diz muito sobre quem você é ou do que você gosta. Contudo, se você não estiver satisfeito com sua feição, e não dispor de gana para as atividades físicas, não precisa se deixar a abater: desde que esteja apto a pagar, sua “vitrine” pode ser completamente remodelada por Ivo Pitanguy, ou por algum outro “São Benedito dos corpos”, uma vez que para a “tecnociência fáustica” não existem causas impossíveis, apenas contornáveis, ao menos em se tratando de estética.
Como resultado de tantas interferências científicas, o ser humano passa por uma fase de transição. A “versão 1.0” do homem cede passagem, com todas as bênçãos dos novos inventos técnicos, para a “versão 2.0” , impregnada, recheada e invadida pelos recursos tecnológicos da era fáustica da tecnociência: órgãos produzidos em laboratórios, transplantes, transfusões, partículas e nanorobôs, próteses e drogas que “enganam” o organismo... o corpo humano se submete a essa dominação, desde que alcance o que se dela espera: a melhora, a superação de obstáculos e do “normal”, rumo (sempre) ao topo.
Assim sendo, no caso de Michael Jackson, a metáfora da vitrine ou do hardware é perfeita para concluir a visão que o mitológico cantor tinha de seu próprio corpo. O “Rei do pop” se metamorfoseou tanto ao longo dos anos que se perdeu a conta: seu corpo ajustava-se conforme sua vontade. Até que um dia não agüentou mais...


Você e eu devemos fazer um pacto
Devemos trazer de volta a salvação
Onde existir amor
Eu estarei lá
”,

Trecho de “I’ll Be There”, Jackson 5.


Este trabalho é dedicado ao Rei do Pop (1958-2009).


THIS IS IT!





BIBLIOGRAFIA


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COURTINE, Jean-Jacquer. Os stakhanovistas do narcisismo – Body-building e puritanismo ostentatório na cultura do corpo, In: Revista Communications, 1993.
FOUCAULT, Michel. “Poder-Corpo”, In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1979; p.145-152.
KURTZWEIL, Ray. “Ser humano versão 2.0”. Folha de São Paulo, 23/03/2003; p. 4-9.
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SIBILIA, Paula. “A digitalização do rosto: Do transplante ao PhotoShop”. Dossiê “Estéticas da Biopolítica”, revista Cinética, São Paulo, 2007.
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SIBILIA, Paula. “De Frankenstein a Pigmalião: O ‘corpo perfeito’ como uma obra de cirurgiões e designers”. In: SPANGHERO, Maíra (Org). Corpo Versão Beta: Ensaios sobre dança, corpo e computação. São Paulo: PUC-SP, 2009.
SIBILIA, Paula. “Ser humano” e “Natureza”. In: O homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Ed. Relume Dumará, 2002.
TAMBORRELLI, J. Randy. Michael Jackson – A magia e a loucura. São Paulo: Editora Globo, 2009.

O empreedorismo do "Eu" - Por Leonardo Campos


O empreendedorismo do “Eu” nos meios de estruturar uma estética corporal.

Na sociedade contemporânea o investimento mais comum tem sido a administração do próprio indivíduo, ou seja, a manutenção de uma felicidade constante. Essa alegria não é algo somente ligada ao âmago, ela precisa estar, concomitantemente, conectada a este e ser externada pelo corpo. Não obstante em ser feliz, há a necessidade desta ser vista e apreciada pelo próximo.
Cada vez é mais comum ver pessoas reclamando da falta de tempo, pois tal facto implica em minimizar os minutos disponíveis para realizar a auto-administração. O tempo realmente tornou-se algo escasso e valioso. Com um bem tão desejável, o instantâneo, o momentâneo tornaram-se primordial; o indivíduo contemporâneo não se permite a esperar, precisa de realizações imediatas. Esse contato permeado de velocidade, impede que o ser humano absorva com profundidade as experiências que ocorrem com ele, logo, os acontecimentos tornam-se algo efêmero. Os dias transformaram-se em horas, os anos em meses; o amanhã já é propriamente o presente.
Esse fascínio pelo instantâneo reflete-se em um ser ansioso. As pessoas não agüentam esperar, com isso os artifícios para minimizar o tempo são utilizados abusivamente. O uso de medicamentos, tais como os suplementos alimentares, tem se tornado o milagre da era digital e o vilão da saúde. Imagine ingerir 250 gramas de um produto e prover das mesmas vitaminas, carboidratos, proteínas e sais minerais que um prato bem balanceado pode oferecer em um almoço. Como exemplo, há o produto Myoplex, sinônimo de alta sofisticação em alimentos para atletas, capaz de fornecer quantidades máximas necessárias de nutrientes por refeição a um esportista. Basta adicionar as 96 gramas do produto quem vem em um sachê a 470 ml de suco de frutas ou água, agitar; e pronto, a refeição está feita. Os suplementos, muitos por serem em pó, facilitam a preparação, a ingestão e a digestão, o que ocasiona um menor gasto de tempo, tornando-se mais eficiente em comparação ao gesto de ir a um restaurante e escolher uma refeição bem balanceada.
Os suplementos apresentam-se com a finalidade de auxiliar na carência de certas substâncias necessárias ao metabolismo corporal. Podem ser ingeridos para complementar uma refeição ou substituir a mesma. Atletas de alta performance, por exemplo, necessitam absorver uma maior quantidade de nutrientes que através de uma alimentação sem suplementos seria impossível obter os resultados almejados. O problema não está na ingestão destes, mas sim, quando torna-se algo vicioso e o que serve para dar suporte ao corpo, acaba denegrindo o próprio.
A Síndrome de Adônis ou Vigorexia (originada do termo em inglês “overtraining”) é um distúrbio psicológico no qual o individuo é obcecado pela prática de exercícios, alcançando um patamar de grande definição e estrutura muscular, todavia, ao se olhar no espelho o mesmo sente-se fraco fisicamente. Pode-se dizer que é um transtorno as avessas da anorexia. Essa doença leva a pessoa a fazer grande utilização de suplementos o que pode causar várias disfunções ao corpo humano, prejudicando os rins, o fígado e o estômago. Um segundo passo é a utilização de anabolizantes, uma vez que os efeitos dos suplementos passam a ser irrisórios.
Os hormônios esteróides são fundamentais para a manutenção do metabolismo humano, pois atuam no crescimento e divisão celular, sendo responsável pela formação, principalmente, dos tecidos ósseo e muscular. Estes podem ser naturais ou sintéticos. O primeiro é produzido pelo corpo humano; o segundo é produzido em laboratório e apropria-se do nome anabolizante; ou popularmente conhecido como “bomba”. Os anabolizantes mais comuns são o GH (Groth Hormone), hormônio do crescimento; e a Testosterona, hormônio sexual masculino. Ambos são responsáveis pelo aumento de força; síntese protéica, isto é, ganho de massa muscular magra (é o tipo de massa que não contem um certo tipo de lipídio: a gordura) aumento da libido; crescimento dos pêlos e etc. As bombas podem ser ingeridas através de pílulas ou através de aplicações por seringas diretamente na corrente sanguínea.
Em um primeiro entendimento, pode parecer que os anabolizantes são fórmulas mágicas para se obter a estética corporal perfeita, pois alia-se pouco gasto de tempo nas academias com a obtenção do corpo desejado. Tal facto é completamente compreensível e verossímil a sociedade contemporânea; pois gera a sensação de uma felicidade breve. Entretanto, as contra-indicações que os mesmos apresentam são um presságio a respeito de uma saúde em decadência. Alguns efeitos colaterais: Ginecomastia (aumento do tecido mamário em homens, ocasionado seios parecidos com os de uma mulher); aumento da pressão sanguínea; acne; alteração dos ciclos menstruais nas mulheres; atrofiamento dos testículos em homens; e, dependendo do tipo de anabolizante ingerido e a quantidade, até a morte súbita. Eis alguns nomes mais conhecidos de bomba: Deca e Durateston servem para o crescimento muscular; gerando um “inchaço” do músculo; e há, Oxandrolona e Estanozolol para viabilizar uma definição muscular, ou seja, a queima de gordura do corpo.
Pessoas que visam uma maior performance para gerar um físico símbolo de perfeição em um curto período, utilizam-se destes medicamentos e acabam desvirtuando a verdadeira razão destes remédios de existirem. Com acompanhamento médico, receita prescrita e dosagens certas; estes são indicados à doenças realmente graves. Um exemplo é o uso do remédio Hemogenin, devido o próprio estimular a produção de glóbulos vermelhos, ele é usado no combate ao vírus do HIV ou anemia. Algumas pessoas utilizam o mesmo para gerar uma sobrecarga no metabolismo e promover uma transformação estética no corpo, através do ganho exagerado de músculos. Entretanto há um problema, essas drogas apresentam um resultado efêmero, ou seja, precisam ser tomadas continuamente para que o efeito permaneça. Para um individuo que possui um corpo saudável, isso significa dependência, pois sempre precisará desta drogas para gerar um alto rendimento, isto é, a destruição do próprio organismo.
As questões acerca dos suplementos alimentares e dos anabolizantes ainda apresentam grande misticismo; especialmente as relacionadas ao segundo, uma vez que testes científicos, a respeito destes, são proibidos no Brasil. Este texto não possui a pretensão de corroborar o que está certo ou errado; e sim, é uma maneira de expor as transformações de valores pela qual a sociedade está passando e dos artifícios que a mesma utiliza para se adaptar a sua era. Encontrar as respostas desses paradigmas, com certeza, é uma questão de tempo!

Leonardo P. O. A. Campos

As Mulheres-Fruta e seus corpos - Por Vladimir Pontes

As Mulheres-Fruta e seus corpos


Há algum tempo surgiu um fenômeno midiático interessante: as “Mulheres-Fruta”. A primeira representante do fenômeno foi Andressa Soares, chamada de Mulher-Melancia. A dançarina de 21 anos tornou-se celebre no mundo do funk carioca em 2008, e logo recebeu destaque na grande mídia. Andressa ganhou projeção nacional, aparecendo em diversos programas televisivos, concedendo entrevistas à jornais de grande circulação e sendo capa de revistas masculinas.
Todo sucesso de Andressa estimulou o surgimento de outras mulheres-fruta, como: Ellen Cardoso, a Mulher-Moranguinho, que substituiu Andressa no seu antigo grupo de dança; Gracie Kelly, a Mulher-Maçã; Renata Frisson, a Mulher-Melão; Daiane Cristina, a Mulher-Jaca, companheira de dança de Andressa; e até a Mulher-Banana, um dançarino homossexual que também recebeu o “título de fruta”.


A mudança de parâmetros

Propagandas e shows de TV mostram mulheres magras e esbeltas como o perfil ideal de boa forma. Garotas se influenciam por modelos e atrizes célebres e, em certos casos, acabam sofrendo de problemas alimentares como anorexia e bulimia para conseguirem alcançar o tão almejado corpo ideal. Dicas de dietas, cirurgias, rotina de exercícios, remédios e outros programas de emagrecimento são divulgados e encontrados ao monte nos diversos veículos de comunicação.
Já as Mulheres-Fruta compartilham uma característica que não se enquadra exatamente nesse padrão de beleza: suas “medidas avantajadas”, ou seja, bumbum grande, seios fartos, coxas grossas etc se diferenciam daqueles corpos que desfilam pelas grandes grifes. Apesar desse fenômeno ainda representar o culto ao corpo – fato típico de nossa sociedade do espetáculo –, essas moças estão longe do padrão de beleza ‘vendido’ pela mídia global em geral.
No Brasil, o bumbum da mulher já chegou a receber título de “paixão nacional” e por isso o fenômeno das Mulheres-Fruta pode fazer mais sentido em terras tupiniquins do que na Europa, por exemplo, onde a indústria da moda cultiva mais a idéia de modelos magérrimas. Apesar disso, as Mulheres-Fruta recebem muitas críticas de parte da opinião pública e até de personalidades famosas que as chamam de “gordas”, evidenciando que, mesmo no Brasil, as “medidas avantajadas” representam um padrão distante do corpo ideal.


A relação com o erotismo e à dança

As Mulheres-Fruta fascinam desde crianças a pessoas mais velhas, não necessariamente atingindo um grupo mais especifico. É um fenômeno bem popular, mas que tem suas ligações com o erotismo. Foi em grupos de funk carioca que elas ganharam sua projeção e isso explica muito dessa conotação sexual. Desde o Miami Bass – gênero americano que deu origem ao funk carioca –, o ritmo tem ligações com a sensualidade. Nos anos 80, MC Hammer, rapper americano de sucesso, cantava ‘I Like Big Butts’ e na “versão brasileira” não foi muito diferente. Até hoje, grande parte do funk carioca tem muito teor sexual e sensual, tanto nas letras como nas danças. Os MCs cantam sobre suas experiências eróticas, enquanto os dançarinos rebolam e simulam atos sexuais ritmados.
Talvez, o corpo das Mulheres-Fruta tenha uma ligação direta com esse teor sexual do funk. Já que seu “volume” proporciona uma experiência estética que remete muito ao erotismo. A dança tem profunda ligação com o corpo, que por sua vez também tem profunda conexão com a idéia do sexo. Não é de se estranhar que as Mulheres-Fruta sejam dançarinas e, mas especificamente, de um ritmo tão “erotizado” como o funk carioca.

O contemporâneo Prometeu - Por Christina Vidoto



O contemporâneo Prometeu

A presente análise se baseia em dois paradoxos centrais encontrados no filme Frankenstein de Mary Shelley (1994), dirigido por Kenneth Branagh, com o próprio no papel de Victor Frankenstein e Robert De Niro como a criatura. É uma adaptação bem próxima a obra literária original Frankenstein ou o Moderno Prometeu, da escritora britânica Mary Shelley.



O primeiro paradoxo é que Frankenstein foi bem-sucedido ao dar vida a um ser que consegue ser mais humano, em termos de questões internas, do que seu próprio egocêntrico criador. A tragédia de Frankenstein não é fruto do seu excesso de “prometeanismo”, mas de seu próprio erro moral, sua incapacidade de amar o que está fora da ordem natural; ele odiava sua criatura, ficou aterrorizado e fugiu às suas responsabilidades quando se deparou com tamanha monstruosidade.

Já o segundo gira em torno do poder exercido pela humanidade sob a natureza através da ciência e da tecnologia. No entanto, este mito cientificista entra em contradição com o primeiro, pois nada teria acontecido ou não teria tido importância para Doutor. Frankenstein se sua criatura tivesse saído esteticamente bonita nos padrões considerados normais de beleza. Isto é, ao mesmo tempo em que Dr. Frankenstein obteve sucesso ao “dar a luz”, ele foi infeliz pelo monstro que “nasceu”.

Desde que o mundo é mundo, o tempo é o principal vilão do corpo. Com o passar dos anos, o corpo tende a piorar, como se tivesse uma duração determinada. Por conta disso, é notória a busca incessante de mecanismos tecnológicos que conseguem proporcionar uma longa “bateria” a nossa estrutura física e mental.

Trazendo o debate para os dias atuais, o corpo perfeito de hoje seria como uma imagem digitalmente modificada por softwares de edição. Contrariando ao mito de Frankenstein que usou retalhos de corpos mortos, hoje temos a possibilidade de recorrer à biotecnologia, genética, cirurgias plásticas, enfim, é possível recorrer a diversos dispositivos tecnológicos para criar, ou melhor, para modificar aquilo que nos incomoda. A semelhança entre o conto e os padrões contemporâneos está na lógica tecnocientífica, a qual também é presente nos experimentos de Victor Frankenstein.

Esta análise não é de toda apocalíptica. A intenção não é enxovalhar o que a tecnociência pode nos proporcionar, mas criticar a visão do corpo como vitrine compulsória de nossos vícios e virtudes.

Concluímos que a ciência pode ser feita para o bem ao aperfeiçoar alguma parte do corpo que seja deficiente, como já tem acontecido, a exemplo de uma empresa austríaca que acaba de criar um braço artificial controlado pelo cérebro através de sensores nos dedos da prótese.



Matéria no G1 aqui.


Bibliografia utilizada:

JUNIOR, Gonçalo. Enciclopédia dos monstros. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008.

Trailer do filme http://www.youtube.com/watch?v=ZV2r4yn1c80

Imdb http://www.imdb.com/title/tt0109836/

Matéria G1 http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL1394665-5603,00-EMPRESA+AUSTRIACA+APRESENTA+BRACO+CONTROLADO+PELO+CEREBRO.html

SHELLEY, Mary. Frankenstein. Rio Grande do Sul: L&PM Pocket, 1997.

SIBILIA, Paula. O Homem Pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais.Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

Use e Abuse - Por Milena Godolphin

CORPOS NO SÉC. XXI – ‘USE E ABUSE’



No ano de 2008, a publicidade acima exposta foi veiculada em outdoors de todo o país, representando a marca de roupas infantis, Lilica Ripilica. Ela apresenta em seu discurso visual e escrito valores crônicos na atual sociedade da informação e consumo. A modelo infantil aparece maquiada e em pose geralmente recorrente em propagandas de adultos, nas quais mulheres representam a sensualidade para agregar valor ao produto oferecido, mesmo que este nada tenha de sexual. A imagem do corpo, principalmente o feminino, é constantemente aplicada em publicidades como representante da sexualidade e como objeto que agrega valor ao produto vendido. Neste caso, a imagem do corpo infantil, adjacente ao texto, insere um valor sensual à publicidade, inadequado e nocivo a todo o público ao qual se dirige.
É explícita a ‘adultificação’ da criança em questão, através da pose, gestos e roupa. Os termos ‘use’ e ‘lambuze’ são carregados de valor sexual na nossa cultura. Quando procuradas na internet essas palavras levam principalmente a conteúdos pornográficos e remetem à expressão ‘use e abuse’, obviamente abusiva; ainda mais estando ligada a imagem de uma criança. Não fica claro o que o texto oferece. Use e abuse do doce, da roupa ou da criança? Na melhor das hipóteses da roupa. O que significa que a publicidade tem mensagem direcionada para as crianças, apesar de estar acessível a toda a população. Isso por si só já vai contra as leis brasileiras, que a partir de uma tentativa de regulamentação pela CONAR, estabeleceu em 2006 a proibição das propagandas com mensagens diretamente comunicantes às crianças. No mundo ocidental, tem sido considerada uma hipossuficiência presumida das crianças na relação com o consumo. As crianças são pessoas em desenvolvimento e que têm carência de experiências, julgamento e autonomia, ou seja, sofrem uma vulnerabilidade exacerbada às influências que recebem de fora. E a mídia, por ser vista como uma instituição de prestígio, detém grande poder de influência na veiculação de produtos aos consumidores em potencial. Por isso, em muitos países é regulamentada e proibida a publicidade durante programas infantis ou até mesmo de qualquer produto para crianças.
Até o século XIX a infância não era respeitada como uma fase de desenvolvimento que requer cuidados especiais e proteção. Na sociedade industrial, os corpos infantis eram explorados tais como os dos adultos, seguindo a disciplina normalizadora exercida pelos poderes da época, que estimulavam os corpos dóceis, úteis e produtivos. Hoje em dia, na sociedade de consumo em que vivemos, os corpos sofrem influência dos jogos de poder tal como naquela época, entretanto servem aos interesses do mercado de outra forma. Se antes, tinham que ser produtivos e úteis, hoje tem que ser consumidores. E também na nossa sociedade, os corpos infantis entram no jogo. A infância continua não sendo respeitada, através de uma estimulação massiva da indústria do consumo e da sedução. Na época da disciplina industrial o controle sobre os corpos era feito de maneira repressiva. A Sexualidade, principalmente nas crianças, era duramente combatida pelas instituições de poder (familiares, religiosas, etc.), sendo alvo de vigilância e punição social. Como contra-efeito dessa cultura, em meados da década de 1960, uma nova geração propõe revisões sociais, sendo a liberação do corpo sexual um dos principais vieses da luta. De fato, houve desde então uma mudança radical nos ‘modos de ser’ corporais e subjetivos da população. Entretanto, estamos longe de experimentar a liberação da sexualidade – modelada e controlada pelo estímulo consumista do corpo, a pornografia. A sexualidade que antes sofria um tipo de controle-repressão sofre hoje um controle-estímulo. “Porque o novo tipo de poder se infiltraria nos organismos humanos sob a forma de uma vigorosa estimulação constante, semeando os apetites mais diversos e incitando sua urgente consumação.” (SIBILIA, 2009)
O fetichismo da mercadoria impera numa sociedade pautada pelo consumo e pelo marketing, ainda que baseada em conceitos antigos de liberdade e igualdade. A nova matriz cultural imaginária é a moda. Descobre-se cada vez mais, que tudo pode ser vendido, tudo é mercado. E o princípio do mercado é atingir a todos. Neste sentido, as crianças devem, como cidadãs, ter o direito igual e a liberdade de consumir. Há uma exploração econômica de todos os aspectos, inclusive da sexualidade e da erotização. Junto a isso uma liberdade descontrolada no estímulo ao consumo, ou seja, na publicidade. O resultado dessa união é uma exposição indiscriminada dos corpos e subjetividades às opções oferecidas pelo mercado. Como o estímulo à erotização vigora na sociedade, se refletindo na publicidade, os corpos são cada vez mais objetificados e sexualizados, dualidade básica na composição ideológica da pornografia. A escritora e educadora Jean Kilbourne diz: “O sexo na publicidade tem a ver com a banalização do sexo e não com a sua promoção, tem a ver com narcisismo e não com promiscuidade, com consumo e não com conexão. O problema não é ser pecado, e sim artificial e cínico.”
Essa condição de um materialismo exacerbado e uma objetificação geral atinge também as crianças, como pode ser visto na propaganda aqui analisada. Neil Postman, teórico crítico de mídia e cultura da Universidade de Nova York, afirma que “pode-se seguramente presumir que a mídia desempenhou importante papel na campanha para apagar as diferenças entre sexualidade infantil e adulta”. Uma vez que as crianças têm potencial consumidor, são cada vez mais incitadas a partilhar do mundo adulto. E é justamente com ele que a publicidade em questão lida, mesmo que não fosse sua intenção. O imperativo ‘use e se lambuze’ sugere através da identificação um auto-erotismo, conceito estimulado na sociedade através apelo narcisista e hedonista de culto ao corpo, e no viés da objetificação a expressão chega ao extremo de incentivar a pedofilia.
A abordagem da sexualidade foi tradicionalmente desenvolvida através de um controle majoritariamente masculino. As mulheres foram mantidas alijadas de participação em muitas esferas sociais até o século XX, como por exemplo, ter cargos de poder em instituições religiosas, políticas e mercadológicas. Desta forma, a construção da estética pornográfica, que é a estética sexual difundida massivamente, sofreu menos influência direta do comando de mulheres, o que pode delinear uma tendência unilateral geral na abordagem. A pornografia é uma estética, uma abordagem do sexo que pouco tem a ver com ele, não se trata aqui de filme pornô apenas, mas da estética pornográfica e erótica, que hoje apresenta aspectos violentos e banalizantes ao abordar o sexo, principalmente sobre os corpos e subjetividades das mulheres, maiores representantes da sexualidade nessa abordagem. Essa objetificação dos corpos selada na pornografia se reflete nas relações pessoais da sociedade, expondo os corpos, principalmente de mulheres e crianças, a um risco real e iminente em sua integridade física e psicológica, constantemente confrontadas sexualmente nas ruas. A publicidade da Lilica Ripilica, aqui analisada, é consoante com essa objetificação, entretanto não é surpreendente. A estética atual da violência e pornografia é refletida em muitas esferas da produção criativa humana, não só na publicidade, mas também na música, filmes e outras manifestações artísticas. Movimentos como o hiphop, o funk e o arrocha, entre outros, divulgam uma violência sexual que não é um movimento isolado. Surge espontâneamente em vários lugares do mundo, como reflexo de um apelo vulgar e nocivo à saúde e integridades física e moral dos corpos viventes. Cultura que não pode ser dissociada do comportamento violento aos quais a população ao mesmo tempo promove e está sujeita nas ruas.

Milena de Miranda Godolphim
Cinema e Audiovisual – 20730154-5

Bibliografia utilizada:
COSTA, Jurandir Freire. O Vestígio e a Aura.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder.
SIBILIA, Paula. O Homem Pós-orgânico.
SIBILIA, Paula. O Corpo Reinventado Pela Imagem.
http://www.alana.org.br/banco_arquivos/arquivos/docs/acoes/marisol_lilicaripilica/Representa%C3%A7%C3%A3o_Lilica_Repilica.pdf

A Nova Idade - Por Wilian

A Nova Idade - O Novo Casal



Nada mais caridoso, nesses tempos em que o bem-estar e a felicidade são obrigações da própria gestão de si, do que o quadro de um programa de televisão dispor do tempo de sua programação para promover a felicidade de corpos obsoletos e marginalizados da era do fitness. A caridade deixou de centrar-se apenas em dar a tão sonhada casa própria da Dona Jacira, lá do sertão nordestino ou mesmo do sudeste, nem está restrita somente na infelicidade de Seu Antônio que veio do Ceará para a metrópole paulista e sente falta dos familiares que já não os vê. Ao compreender as mudanças pelas quais o conceito de felicidade passou com o declínio da psicanálise, a presença tão expansiva dos recentes yuppies, o desenvolvimento da indústria da forma física – entre tantas considerações que as relações sociais e físicas contemporâneas exigem – poderia-se dizer que a Rede Record usou bem e sem ingenuidade o caratér “solidário” ao propor o quadro “A verdadeira idade”, do programa “Tudo é possível”. Influenciado por outros diversos programas semelhantes que já permearam em emissoras aleatórias, o quadro apresentado pela modelo Ana Hickmann trata-se da crua exposição de pessoas deprimidas, mal cuidadas, desistimuladas e com um único objetivo: aparentar ter a idade que realmente possuem e, assim, alcançar a felicidade do corpo ou o corpo feliz. O paradoxo não é o sujeito da felicidade, mas o objeto de felicidade e o seu local. O estado de bem-estar e o sentimento de adesão à um modo padrão de auto-realização está todo localizado no corpo. A felicidade está do lado de fora do corpo humano, por isso, um corpo feliz talvez seja uma designação mais coerente.
Nota-se que o caso aqui proposto é bem diferente do Seu Antônio e da Dona Jacira. Os personagens, ou melhor, os corpos são Celso e Sandra. Como já foi dito, o objetivo é remodelar corpos que teoricamente estão mais velhos do que deveriam estar, partindo do pressuposto de que a idade reflete no corpo e vice-versa. Nada mais óbvio hoje do que recorrer a clínica médica, departamento que está cada vez mais imerso nos ideais de correção e modelagem. O fato de ser óbvio não significa que já estamos acostumados a essa tal objetividade e um certo incômodo surge pela edição do video disponibilizado na internet, pois logo no início o casal já está nas ruas tendo suas aparências julgadas por anônimos, sem nem mesmo existir uma rápida apresentação de cada personagem, suas origens, condição de vida, aspectos subjetivos e particularidades de cada um. Em seguida, as patologias são analisadas pelos braços particulares da clínica: odontologia, dermatologia, quiropraxia e – naturalizando um pouco o contexto – a própria acupuntura. Não trata-se da busca da tecnociência, dos nanorrobos, da alteração do código genético. A instantaneidade é, talvez, o efeito que mais interessa causar o programa televisivo e não estranha ser um dos vícios da contemporaneidade. O universo aqui, portanto, é mais mecânico e farmacêutico: implantes, lasers, toxinas, produtos cosméticos. Os efeitos, reforço, são momentâneos, apesar de ganhar status de eterno entendendo que a informação dada vive até que se é atualizada, no caso do programa, não sabemos como vivem as pessoas depois das “transformações”, se há a manutenção do corpo feliz ou não.
Um aspecto interessante percebido no quadro com o Celso e a Sandra, e também notado em outras edições, é a presença de uma incoerência aceitável dentro daquele contexto. Em diversos momentos, a apresentadora do programa e os profissionais de medicina usam o termo rejuvenescer, ficar mais jovem, não no sentido de aproximar da verdadeira idade do casal mas distanciar-se dela, digamos, da “direita para a esquerda”. Por que não retirar uns 5 anos da idade de Dona Sandra ou de Seu Celso? A verdadeira idade é realmente importante? O conceito de verdadeiro nunca foi tão relativo em uma sociedade que anseia pelo disfarçe e pelo aperfeiçoamento. Às vezes, o disfarçe é tão eficaz que confunde a própria alma, o sentido do “eu” próprio. Seu Celso, após ter os cabelos aparados, tingidos, tratados e “medicalizados” por cosméticos, solta a inocente frase: “Nem parece comigo, mas está bom”. Ana Hickmann também não resiste e se dirige a Seu Celso dizendo apresentar sua “nova esposa”. O marido de Sandra pergunta se é ela mesma. A apresentadora ignora e pergunta à Sandra se havia gostado do seu “novo marido”. A música apaixonada, o beijo romântico, a felicidade é alcançada, o amor é permitido. Por um instante, a nostalgia de uma sociedade disciplinar, introspectiva, assentada sobre um ideal romântico é sentida pelo corpo do espectador. Ou melhor seria dizer pela alma do espectador? Enfim, a nostagia é tão rápida que não permite esse total deslocamento de tempo e espaço. “É a consigna do chamado healthism, uma ideologia que combina um estilo de vida hedonista (maximização de prazeres e evitação de desprazeres) com uma obsessiva preocupação com práticas ascéticas cujo objetivo, longe de buscar excelência moral, elevação espiritual ou determinação política, é otimizar a vida pelo cuidado com a aparência de saúde, beleza e fitness, atendendo assim ao que parece ser a imagem do sujeito ideal atual” (BEZERRA). Eis o nosso tempo, eis os novos termos que ofuscam a nostalgia disciplinar e da introspectividade romântica.
A era do contentamento se abriga nas progressivas intervenções técnicas, nas próteses químicas, nos medicamentos (COUTO). Da maneira que se exibe no quadro “A verdadeira idade”, de fato, o contentamento está muito próximo de ser alcançado por esse tipo de intervenção. Se quer ficar alegre, nada de batalhas intermináveis contra tristezas enraizadas ou a espreita (COUTO), “o mal-estar tende a se situar no campo da performance física ou mental falha, muito mais que em uma interioridade enigmática que causa estranheza”, é o que defende o texto de Benilton Bezerra Jr. e o que o quadro televiso entende muito bem ao se isentar de preocupações acerca da subjetividade. Não há intenção de tratar ou analisar as possíveis causas da verdadeira idade do casal não estar impressa na aparência deste. Os sintomas ocupam esse espaço. O título do programa não seria mais intrigante se resolvesse ser óbvio e, por exemplo, optasse logo por “A verdadeira idade do corpo”, que evidentemente é disso que se trata.

http://videos.r7.com/veja-a-transformacao-de-um-casal-/idmedia/507781c33a7c152908e0e4c39d87dd47-1.html

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Corpocidade - Por Dally Schwarz

Corpos comprimidos pelo tempo, pela cidade e pela propaganda.

Resumo:

Um breve resumo de como somos bobardeados por propagandas, e como estas estão cada vez mais sedutoras devido a seu apelo a arte.

Quais as possibilidades de resistência?

A arte fala sobre uma suposta resistencia ou ela simplesmente faz um “retrato estético” desta situação crítica?





Dica do Bruno!

Viagra feminino?

Confira!

http://www.clarin.com/diario/2009/11/18/um/m-02043052.htm