domingo, 29 de novembro de 2009

A Nova Idade - Por Wilian

A Nova Idade - O Novo Casal



Nada mais caridoso, nesses tempos em que o bem-estar e a felicidade são obrigações da própria gestão de si, do que o quadro de um programa de televisão dispor do tempo de sua programação para promover a felicidade de corpos obsoletos e marginalizados da era do fitness. A caridade deixou de centrar-se apenas em dar a tão sonhada casa própria da Dona Jacira, lá do sertão nordestino ou mesmo do sudeste, nem está restrita somente na infelicidade de Seu Antônio que veio do Ceará para a metrópole paulista e sente falta dos familiares que já não os vê. Ao compreender as mudanças pelas quais o conceito de felicidade passou com o declínio da psicanálise, a presença tão expansiva dos recentes yuppies, o desenvolvimento da indústria da forma física – entre tantas considerações que as relações sociais e físicas contemporâneas exigem – poderia-se dizer que a Rede Record usou bem e sem ingenuidade o caratér “solidário” ao propor o quadro “A verdadeira idade”, do programa “Tudo é possível”. Influenciado por outros diversos programas semelhantes que já permearam em emissoras aleatórias, o quadro apresentado pela modelo Ana Hickmann trata-se da crua exposição de pessoas deprimidas, mal cuidadas, desistimuladas e com um único objetivo: aparentar ter a idade que realmente possuem e, assim, alcançar a felicidade do corpo ou o corpo feliz. O paradoxo não é o sujeito da felicidade, mas o objeto de felicidade e o seu local. O estado de bem-estar e o sentimento de adesão à um modo padrão de auto-realização está todo localizado no corpo. A felicidade está do lado de fora do corpo humano, por isso, um corpo feliz talvez seja uma designação mais coerente.
Nota-se que o caso aqui proposto é bem diferente do Seu Antônio e da Dona Jacira. Os personagens, ou melhor, os corpos são Celso e Sandra. Como já foi dito, o objetivo é remodelar corpos que teoricamente estão mais velhos do que deveriam estar, partindo do pressuposto de que a idade reflete no corpo e vice-versa. Nada mais óbvio hoje do que recorrer a clínica médica, departamento que está cada vez mais imerso nos ideais de correção e modelagem. O fato de ser óbvio não significa que já estamos acostumados a essa tal objetividade e um certo incômodo surge pela edição do video disponibilizado na internet, pois logo no início o casal já está nas ruas tendo suas aparências julgadas por anônimos, sem nem mesmo existir uma rápida apresentação de cada personagem, suas origens, condição de vida, aspectos subjetivos e particularidades de cada um. Em seguida, as patologias são analisadas pelos braços particulares da clínica: odontologia, dermatologia, quiropraxia e – naturalizando um pouco o contexto – a própria acupuntura. Não trata-se da busca da tecnociência, dos nanorrobos, da alteração do código genético. A instantaneidade é, talvez, o efeito que mais interessa causar o programa televisivo e não estranha ser um dos vícios da contemporaneidade. O universo aqui, portanto, é mais mecânico e farmacêutico: implantes, lasers, toxinas, produtos cosméticos. Os efeitos, reforço, são momentâneos, apesar de ganhar status de eterno entendendo que a informação dada vive até que se é atualizada, no caso do programa, não sabemos como vivem as pessoas depois das “transformações”, se há a manutenção do corpo feliz ou não.
Um aspecto interessante percebido no quadro com o Celso e a Sandra, e também notado em outras edições, é a presença de uma incoerência aceitável dentro daquele contexto. Em diversos momentos, a apresentadora do programa e os profissionais de medicina usam o termo rejuvenescer, ficar mais jovem, não no sentido de aproximar da verdadeira idade do casal mas distanciar-se dela, digamos, da “direita para a esquerda”. Por que não retirar uns 5 anos da idade de Dona Sandra ou de Seu Celso? A verdadeira idade é realmente importante? O conceito de verdadeiro nunca foi tão relativo em uma sociedade que anseia pelo disfarçe e pelo aperfeiçoamento. Às vezes, o disfarçe é tão eficaz que confunde a própria alma, o sentido do “eu” próprio. Seu Celso, após ter os cabelos aparados, tingidos, tratados e “medicalizados” por cosméticos, solta a inocente frase: “Nem parece comigo, mas está bom”. Ana Hickmann também não resiste e se dirige a Seu Celso dizendo apresentar sua “nova esposa”. O marido de Sandra pergunta se é ela mesma. A apresentadora ignora e pergunta à Sandra se havia gostado do seu “novo marido”. A música apaixonada, o beijo romântico, a felicidade é alcançada, o amor é permitido. Por um instante, a nostalgia de uma sociedade disciplinar, introspectiva, assentada sobre um ideal romântico é sentida pelo corpo do espectador. Ou melhor seria dizer pela alma do espectador? Enfim, a nostagia é tão rápida que não permite esse total deslocamento de tempo e espaço. “É a consigna do chamado healthism, uma ideologia que combina um estilo de vida hedonista (maximização de prazeres e evitação de desprazeres) com uma obsessiva preocupação com práticas ascéticas cujo objetivo, longe de buscar excelência moral, elevação espiritual ou determinação política, é otimizar a vida pelo cuidado com a aparência de saúde, beleza e fitness, atendendo assim ao que parece ser a imagem do sujeito ideal atual” (BEZERRA). Eis o nosso tempo, eis os novos termos que ofuscam a nostalgia disciplinar e da introspectividade romântica.
A era do contentamento se abriga nas progressivas intervenções técnicas, nas próteses químicas, nos medicamentos (COUTO). Da maneira que se exibe no quadro “A verdadeira idade”, de fato, o contentamento está muito próximo de ser alcançado por esse tipo de intervenção. Se quer ficar alegre, nada de batalhas intermináveis contra tristezas enraizadas ou a espreita (COUTO), “o mal-estar tende a se situar no campo da performance física ou mental falha, muito mais que em uma interioridade enigmática que causa estranheza”, é o que defende o texto de Benilton Bezerra Jr. e o que o quadro televiso entende muito bem ao se isentar de preocupações acerca da subjetividade. Não há intenção de tratar ou analisar as possíveis causas da verdadeira idade do casal não estar impressa na aparência deste. Os sintomas ocupam esse espaço. O título do programa não seria mais intrigante se resolvesse ser óbvio e, por exemplo, optasse logo por “A verdadeira idade do corpo”, que evidentemente é disso que se trata.

http://videos.r7.com/veja-a-transformacao-de-um-casal-/idmedia/507781c33a7c152908e0e4c39d87dd47-1.html

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