domingo, 29 de novembro de 2009

"Michael Jackson" - Por Bruno Thebaldi

Pense sobre as gerações e diga que queremos fazer um mundo para nossos filhos e os filhos dos nossos filhos. Então, nesse dia, eles saberão que têm um mundo melhor para eles; e pense se eles terão um melhor lugar”,

Trecho de “Heal the world”, Michael Jackson.




1.0 AS RINOPLASTIAS E ALGO MAIS


Ele ganhou notoriedade, em meados da década de 1960, como líder de um quinteto, embora fosse o de menor idade dentre os membros do grupo. Ainda assim, em poucos meses, estourou com “ABC”, “I’ll Be There”, “I Want You Back”, entre outros sucessos. No final dos anos 1970, lançou-se em carreira solo, consolidada na década seguinte ao se tornar conhecido mundialmente como o “Rei do pop”.
Michael Joseph Jackson. Muito se falou e especulou a respeito de sua vida e carreira. Afinal, com o escopo de viver 150 anos, dormiria ele numa câmara hiperbárica?; Michael se submetera a uma penca de rinoplastias porque queria que seu nariz fosse semelhante ao de Diana Ross?; seu embranquecimento fora proposital?
Quando despontou para o sucesso, ele era apenas um menino com oito anos de idade, cabelo estilo black power, e que adorava imitar os passos do também cantor Stevie Wonder. Não obstante, ao contrário da maioria das outras crianças, desde muito cedo seu pai lhe imputou uma pesada rotina: todos os filhos da família Jackson eram obrigados a atravessarem longas horas em sessões de ensaios de dança e canto, nos quais Joseph Jackson lhes “moldava”, ensinando-lhes a se comportar perante a plateia.
O caráter disciplinador, coercitivo e punitivo outorgado pelo patriarca da família Jackson era feroz, e tal qual um cão de guarda, Joseph não permitia um deslize sequer de sua prole. Quando os resultados se quedavam aquém do que o exigente pai almejava, ou quando algum dos filhos descumpria com a rotina exigida, seguia-se uma penalização, em não raros castigos corporais.














Michael Jackson aos 12 anos de idade: o “menino prodígio” que se converteu no “Rei do pop”.


Com os ossos, músculos e membros ainda em desenvolvimento, talvez o esforço fora em demasia para um corpo que nem sequer havia completado uma década, embora já fosse exigido bem como uma “máquina adulta”. De fato, não apenas seu corpo sofrera, mas também sua mente, especialmente pelos traumas que atravessara, sobretudo provindos de Joseph, através de espancamentos e humilhações, ademais da conhecida história da infância perdida.

Bem verdade que a maneira mais corriqueira para se exorcizar os traumas, ao menos por enquanto, é tomar o caminho dos consultórios dos psicólogos, quando não, dos psiquiatras. Porém, com o desenvolvimento feroz dos mecanismos da tecnociência, faz-se cada vez mais próxima a era em que se um sujeito quiser se alforriar de memórias indesejadas, bastará, quem sabe, engolir um comprimido, implantar alguns nanorobôs, ou, por que não, submeter-se a um procedimento cirúrgico qualquer, no qual os cientistas poderão “apagar”, de modo análogo à ação da tecla “delete” dos teclados de computadores, as imagens negativas da área do cérebro em que se encontram armazenadas.
Se no conto de Frankenstein o corpo humano, ou melhor, seu recôndito, havia sido “profanado” pelos dedos do cientista-criador, presentemente, os “cientistas-escultores” engajaram-se numa corrida, não mais aeroespacial, e tão pouco armamentista, e sim por resultados estéticos e performáticos.
Na mesma linha, a saída que Michael Jackson encontrou para se emancipar de parte dos pesadelos de infância fora se entregar aos bisturis dos cirurgiões plásticos: vendo-se mais e mais parecido fisicamente com a figura de seu pai, ademais de crer-se um sujeito desprovido de beleza estética, o astro pop recorreu aos “pigmaleãs” modernos, isto é, àqueles que (literalmente) têm o “poder” de esculpir o corpo humano, maculado por falhas e defeitos.












Michael Jackson: à esquerda em 1979; à direita em 1983. Em ambas as imagens o astro já exibe seu nariz “esculpido”.

A primeira rinoplastia de Michael Jackson se decorreu em 1979 em virtude de uma queda que resultou na quebra de seu nariz. Entretanto, com o passar dos anos, o “Rei do pop” submetera-se a inúmeras interferências no nariz. Às vezes, o fazia para afastar-se da imagem de seu pai; outras pois lhe prejudicava a respiração; ou para corrigir eventuais falhas das precedentes, caindo em um ciclo vicioso. Na biografia do cantor, escrita por Tamborrelli, afirma-se que Michael passara por pelo menos dez cirurgias. O autor ainda diz: “por anos e anos, cirurgiões plásticos não ligados ao caso especulavam se seu nariz [...] é feito de cartilagem, osso ou látex”.

As incontáveis plásticas renderam uma enchente de piadas ao redor do planeta: (a) Michael queria afinar o nariz?; (b) queria o nariz da Diana Ross?; (c) queria se distanciar da aparência de Joseph?; (d) não tinha mais nariz?
Em verdade, passados tantos procedimentos, seu nariz ficou sem a devida cartilagem na extremidade, obrigando o astro a aplicar uma prótese, o que nem sempre se dava; daí resulta que víamos ao cantor usando máscara cirúrgica com certa freqüência.
A sociedade atual, ávida por vender e impregnar na mente dos sujeitos seu conhecido padrão de beleza e estética (corpo jovial, magro, definido, com músculos, branco ou levemente bronzeado, livre de gorduras, impurezas, marcas, rugas e cia.) não enxerga mais como “profanação” as interferências cirúrgicas no corpo humano; pelo contrário, sorri de braços abertos diante de seus “milagrosos” resultados. Contando com o apoio de uma mídia afoita em distribuir auto-estimas estampadas em monumentais corpos, ofertados juntamente com as “alegrias do marketing”, os procedimentos técnicos são vendidos em longas e suaves prestações, acessíveis ao lado de um extenso talão de cheques ou de um cartão de crédito dos sonhos, conquanto parecem cada vez mais se digitalizarem. Sendo assim, ter o corpo “que você pediu a Deus” não só está ao alcance das suas mãos, como “não tem preço”.
As intervenções passaram a ser comercializadas como meros retoques digitais, tal qual atua o famoso (e no mundo do espetáculo praticamente indispensável) Photoshop. Porém, ao contrário do afamado software, o corpo “retocado” é “devassado” pelos cortes dos bisturis e por posteriores cicatrizações da pele, etapas que o processo fetichizante da estética “deleta” do alcance de nossas vistas, ocultadas em prol do fruto. Logo, para estar apto a usar os trajes de banho do verão é preciso muito mais do que uma generosa conta bancária, acesso ao crédito financeiro ou trinta minutos deitado numa cama cirúrgica.
Além das incontáveis intervenções no nariz, em 1986 o cantor ainda se submeteu a uma operação plástica com o intuito de criar uma covinha em seu queixo. Não é de admirar que, a respeito das plásticas, Michael Jackson articulou que “não é nada demais [...]. Depois da primeira, nem dói mais tanto assim. Depois que você tiver feito, não vai conseguir parar de se olhar no espelho, de tão satisfeito”.


2.0 A CÂMARA HIPERBÁRICA


No ano de 1984, Michael Jackson sofreu um sério acidente ao gravar um comercial para a marca de refrigerantes Pepsi, nos EUA: seu couro cabeludo ficou em chamas, rendendo-lhe enxaquecas ao longo de anos. Foi na ocasião da internação hospitalar por causa deste incidente que Michael se deparou com uma câmara de oxigênio de alta pressão, conhecida como câmara hiperbárica, utilizada no tratamento de queimados. O cantor volveu a lembrar-se do equipamento dois anos depois, quando a empregou como estratégia para promover uma parceria com a Disneylândia. Para tal, deixou-se fotografar deitado dentro de tal engenhoca e difundiu a foto, espalhando-a juntamente com o boato de que com o aparelho pretendia prolongar sua vida até os 150 anos. Rapidamente o burburinho se alastrou pela mídia, causando colossal assombro na sociedade.



Cena da novela “Na câmara hiperbárica com Michael Jackson”: foto divulgada pela equipe do cantor com pretexto promocional.


Como já dito, tudo não passou de um truque publicitário. Entrementes, a idéia de prolongar a própria existência permanece como um dos grandes desejos das “ciências da vida”. Vencidas as barreiras geográficas (aos seres humanos já lhes são permitidos grandes deslocamentos através dos meios de transportes), os cientistas se debruçaram em vencer outro empecilho que, de maneira pertinaz, insiste em desafiá-los: o tempo.
Alguns avanços já foram obtidos na melhora do desempenho do frágil e débil corpo humano, como na derrubada e na ultrapassagem de limites físicos considerados “normais” ou “naturais”, ancorados pelos inventos da tecnociência. Outrossim, a estimativa de vida dos humanos não pára de crescer, no entanto, padece anos-luz da almejada vida eterna. Por outro lado, sabe-se que o implante de pequenas partículas, conhecidas como nanorobôs, no corpo e organismo do homem não é mais um artifício das películas de ficção científica, por isso, nos dias que nos contemporizam, se o “ídolo pop” quisesse impressionar ao público, atrair a mídia e divulgar sua aliança comercial, outra maneira de alardear sua intenção de “viver 150 anos” seria mostrar-se implantando nanorobôs, ou qual dispositivo tecnológico que fosse, ao corpo.
É inegável que o uso dos produtos derivados das pesquisas da tecnociência invadiram o dia a dia das pessoas, dominando-as e seduzindo-as, maliciosamente, com a promessa de lhes proporcionar aquilo o que elas querem, bastando escolher o produto certo, dentro de uma variada cesta de opções, geralmente expostos nas gôndolas de uma infinidade de estabelecimentos e ou na tela de nossos computadores pessoais, através dos portais da internet. Eis a era do self service da saúde e do bem estar: cremes antienvelhecimento, lipoaspirações, géis corretores, máscaras de relaxamento, redutores de gordura e seus derivados, os quais vieram à tona com a promessa de dar a nós, simples mortais, alívio em nossas tensões e medos, como o de envelhecer e ou o de engordar.
No entanto, essa invasão tecnológica no corpo humano vem encontrando fortes resistências. Há quem advogue que a implantação de chips possa representar uma séria ameaça à intimidade. E se as informações armazenadas nesse “cartão de memória” pessoal e intransferível vazarem e caírem em “mãos erradas”? Se por um lado pode-se tomar conhecimento do potencial para o desenvolvimento de determinadas patologias, e, por conseguinte, combatê-las antes de se desenvolverem, por outro a evasão dessas informações podem impactar até mesmo na escolha ou não do indivíduo para uma vaga de emprego, por exemplo.
Tal desdobramento e avanço tecnológico podem ser explicados quiçá pela reformulação no tabuleiro de prioridade das ciências: se outrora, predominava a “medicina curativa”, em outras palavras, aquela que visava estabelecer a cura, ou pelo menos minimizar eventuais impactos sofridos pelo ignóbil corpo humano, presentemente observamos o fortalecimento da “medicina estética”, isto é, aquela que tem como finalidade a almejada busca pela “qualidade de vida”, evidentemente embasada nos pressupostos dos “imperativos de saúde” e dos “padrões de beleza”.
É possível, até mesmo, traçar uma comparação, a nível metafórico, entre os dois momentos da medicina observados e descritos acima: o primeiro se relacionaria com o mito de Prometeu, deus grego duramente penalizado, tão logo descortinara o fogo aos seres “comuns”; conquanto o segundo se ligaria ao mito de Fausto, aquele que é capaz de vender a própria alma para alcançar seus objetivos e metas, sem se ater às conseqüências. Ou seja, enquanto a “medicina curativa”, ou “tecnociência prometéica”, precupava-se com o ônus das intervenções cirúrgicas e/ou do advento de suas descobertas, a “medicina estética”, ou a “tecnociência fáustica”, parece visar apenas e tão somente o resultado de suas criações, ofuscando seu ônus em função do (tão) requerido bônus. E, infelizmente, na ânsia de liderar a desenfreada corrida pela maior quantidade de novidades apresentadas, os produtos são colocados no mercado cada vez menos testados pelos laboratórios. Assim, não é de se estranhar que, vez ou outra, um medicamento tenha sua comercialização banida por “consertar de um lado, estragar de outro”, quando não levando à morte de parte de seus consumidores.
Nesse sentindo, se o Dr. Frankenstein tivesse que montar sua criatura nos dias de hoje, em vez de fuxicar por tumbas e remexer em restos de cadáveres, provavelmente os deixaria “descansando em paz”. Em vez disso, pediria auxílio aos “escultores do corpo”, apadroados por “Pigmaleão”; e, além do mais, nenhum ser moderno suportaria ostentar tantas marcas de cortes e cicatrizes pelo corpo, resultantes das costuras e das potentes descargas elétricas. Ou, quem sabe, se o Dr. Frankenstein “brincasse de Deus” no presente, ao menos realizaria um transplante de rosto em sua criatura, dando-lhe um aspecto menos cadavérico e mais de “menino do Rio”.



Em 1987: muita maquiagem para proporcionar o tom de pele mais claro que seu natural, e várias rinoplastias depois...




3.0 O VITILIGO


Em vida, Michael Jackson foi a mais perfeita ilustração de que não precisamos mais dizer “amém” ao que a natureza dos nossos intricados genes determina à construção do nosso fenótipo. “Minha maior alegria era saber que podia escolher como seria meu rosto” , teria afirmado o cantor. No entanto, com o passar dos anos não foi apenas seu rosto que cambiou, mas também a cor de sua pele.
Muito antes de anunciar que sofria de vitiligo, moléstia que provoca a perda da pigmentação, sabia-se que Michael Jackson fazia uso de medicamentos indicados para o clareamento da pele. Há quem sustente que esta era outra de suas artimanhas para se distanciar da aparência de seu pai, no entanto tais conjecturas não passaram do campo dos boatos e das especulações.
Foi na época de álbum Dangerous, no início dos anos 1990, quando o “astro pop” estourou com megasucessos como “Heal The World”, “Remember The Time” e “Black Or White”, que o público se deparou com um Michael Jackson não mais negro – cuja imagem fora imortalizada como mito em clipes tais quais “Thriller”, “Beat It” e “Billie Jean” -, e sim com a pele embranquecida. De princípio, fora um susto, mesmo vindo de alguém cujo nome não escapava de estampar a capa dos tablóides mais sensacionalistas do planeta, estrelando esquisitices em série, como o interesse em comprar os restos do “homem elefante”.




Com o embranquecimento, Michael Jackson passou a ser visto com seu famoso “escudo” de proteção contra os raios solares: roupas negras e compridas, chapéu, óculos e guarda-chuva. O vitiligo deixa a pele extremamente sensível à ação dos raios solares.



Não é mais segredo a ninguém que há muito os cientistas conquistaram e dominaram a natureza, ao menos no que concerne a concepção de novas espécies. Exemplos disso são a criação de espécies e mais espécies de alimentos geneticamente modificados, os chamados trangênicos, cujos efeitos sobre o organismo humano, todavia, seguem levantando acalorados e antagônicos debates; a criação de sementes terminais, isto é, aquelas que são capazes de render apenas uma colheita; e nem mesmo os animais escaparam dos cruzamentos em laboratórios: do clone da ovelha Dolly ao “fabrico” de porcos fosforescentes, os laboratórios transformaram-se num pet shop a la carte, onde o freguês, em breve, poderá montar seu animalzinho de estimação de acordo com seus gostos mais exóticos, dando asas à imaginação: cruzamento de genes de cachorro com outros de cavalo, elefantes com hamisters, tartarugas com gatos, coelhos com aves etc. Ao menos na propaganda já pudemos presenciar um cruzamento de tipo extravagante: um excêntrico animal meio cachorro, meio peixe, que acompanhava seu dono em suas aventuras com seu, também muito querido, carro (igualmente de estimação). Apesar do cunho de comicidade de dita propaganda, o plano real não está mais tão longínquo de tal possibilidade.
Com a codificação do patrimônio genético de diversas espécies, o chamado genoma, as criaturas foram convertidas a meras informações, nada mais que a combinação de trilhões de seqüências genéticas possíveis. Com isso, estamos mais digitalizados do que nunca. Não obstante, nem tudo são flores. Corre-se o risco do reaparecimento da eugenia, estratégia empregada pelos nazistas para promover uma “limpeza” genética, suprimindo características que consideravam indesejadas na raça humana. No entanto, no século XXI, seria uma versão soft ou “pós-moderna” da eugenia: agora, quem decide que características ou não excluir do software humano, é ninguém menos que o próprio indivíduo.


No caso de Michael Jackson, como em tudo que se passou com ele, pipocaram porções e mais porções de mirabolantes versões sobre seu embranquecimento: preconceito contra a própria cor?; nova tentativa de promoção?; plásticas propositais?; e por aí vai.

Recentemente, seu filho “descoberto” postumamente à passagem do cantor, foi diagnosticado como portador do mesmo mal que sacou a pigmentação da pele do pai.



4.0 O VÍCIO EM MEDICAMENTOS


Desde a queimadura que sofrera em 1984, Michael Jackson queixava-se de terríveis enxaquecas. Para saná-las, ou ao menos aliviá-las, o cantor recorreu a poderosas e mais poderosas doses de medicamentos. Como conseqüência, não tardou, seu organismo se tornou dependente de tais substâncias.
Para o escritor Jurandir Freire Costa, o astro pop se encaixaria naquilo que denomina de estulto, que em suas palavras “é a inépcia, a incompetência para exercer a vontade do domínio do corpo e da mente, segundo os preceitos da qualidade de vida” .
O autor ainda elaborou uma espécie de tipos ideais da estultícia, apresentando cinco categorias, das quais Michael Jackson encaixaria-se na de dependentes ou adictos, “isto é, os que não controlam a necessidade de drogas lícitas e ilícitas” , entre outros vícios.



O cantor em performance durante a turnê “History”, em meados da década de 1990. Segundo dizem, nesta época, Michael já costumava se apresentar sob o efeito de medicamentos.


Em 2009, Michael Jackson anunciou para o mundo que retomaria a carreira numa maratona de 50 concertos, a serem realizados em Londres, a partir de julho. Imediatamente houve uma enchente de “súditos” que disputavam, ingresso a ingresso, a oportunidade de rever o ídolo, afastado das turnês desde mais de dez anos.
Porém, as fatalidades da vida o impediram. As fatalidades da vida ou uma dose excessiva de um intenso medicamento aplicado por seu médico particular, no dia 25 de junho do mesmo ano: Michael acabou sofrendo uma parada cardíaca, logo falecendo.


Acima, Michael Jackson no momento em que anunciava seu esperado retorno aos palcos com a turnê “This Is It”, com a qual faria 50 concertos na capital inglesa. Sua morte permaneceu um mistério para muitos: Acidente?; Assassinado pela negligência de seu médico particular?; Vítima de seu próprio vício?; Complô motivado por interesses financeiros? – Ao que tudo indica, seu médico particular vai ser indiciado por homicídio culposo.



CONCLUSÃO


“Viva, seja feliz, mas respeite os imperativos da saúde”, nos berra o tempo todo os meios de comunicação. Assim, “não atentar contra a própria saúde” parece ser o primeiro dos mandamentos dessa atual tirania social. Sem embargo, por ironia, a mesma mídia que nos impõe o “terror psicológico da vida saudável” cria uma grande esquizofrenia: ao mesmo tempo em que nos empurra as disciplinas da alimentação saudável e da rotina de exercícios (especialmente no caso do discurso jornalístico), também influencia hábitos por ela mesma considerados “atentados” à saúde, como o consumo de fast food, refrigerantes e cigarros (por exemplo, através da veiculação de campanhas publicitárias). E mais contraditório ainda: vende-os como se fossem benéficos, legítimos “embaixadores da qualidade de vida”, atrelando-os à imagem de pessoas bem dispostas, sorridentes, jovens e cheias de energia. A Coca-Cola, por exemplo, em recente campanha, ofertava seu produto como tal qual fosse um salvo-conduto ao fim dos problemas individuais. A mensagem era explícita: “Eu quero abrir a felicidade”, dizia a publicidade, tendo ao lado a imagem de uma garrafa do refrigerante destampada.
Bem como já dizia o filósofo Michel Foucault, nos anos 1970, “fique nu… mas seja magro, bonito, bronzeado” . Passadas três décadas, seu pensamento persiste em voga, aliás com o boom das academias de ginástica - legítimos clubes de saúde, nos quais a palavra dos profissionais de educação física, os “papas do corpo”, são respeitadas como “parábolas da bíblia do bem-estar” por uma legião de fiéis “seguidores dos alteres” -, continua “bombando”. Em contrapartida, para que a exposição do pensador francês se enquadre com primazia à nova ordem mundial, mais prudente seria afirmar: “Fique nu... mas seja, musculoso, bonito, bronzeado”. Eis o segundo artigo da “carta magma da ditadura do corpo”, especialmente no caso dos homens e na ostentação apoteótica de seus impecáveis body building .
Não obstante, no caso do padecimento por algum tipo de estresse ou algo que saque o humor à pessoa, não há motivo para desespero. Na contemporaneidade, a felicidade nunca esteve tão próxima: além de dentro de uma embalagem da Coca-Cola, encontra-se igualmente aprisionada noutra simples solução, ou melhor, quimicamente preparada numa única cápsula: Prozac. Pode parecer outro paradoxo num primeiro momento, todavia nesta nova tirania é melhor viver “dopado mas feliz”, do que “deprimido mas limpo”, até porque o sofrimento impactua negativamente na saúde do indivíduo: rugas, olheiras, marcas de expressão... Para quê passar por isso, já que se pode contornar a tudo com uma pueril cápsula recheada de “pó mágico”? As “alegrias do marketing” (ou das drogas) estão aí para ajudar, se precisar é só chamar.
A análise das mudanças do comportamento corporal e da maneira com a qual enxergamos e cuidamos de nossa “máquina”, remete-nos à teoria debordiana. Se, na era do espetáculo, você é o que você parece, então o corpo é, naturalmente, a vitrine de sua essência. Logo, sua aparência física, se não diz tudo, diz muito sobre quem você é ou do que você gosta. Contudo, se você não estiver satisfeito com sua feição, e não dispor de gana para as atividades físicas, não precisa se deixar a abater: desde que esteja apto a pagar, sua “vitrine” pode ser completamente remodelada por Ivo Pitanguy, ou por algum outro “São Benedito dos corpos”, uma vez que para a “tecnociência fáustica” não existem causas impossíveis, apenas contornáveis, ao menos em se tratando de estética.
Como resultado de tantas interferências científicas, o ser humano passa por uma fase de transição. A “versão 1.0” do homem cede passagem, com todas as bênçãos dos novos inventos técnicos, para a “versão 2.0” , impregnada, recheada e invadida pelos recursos tecnológicos da era fáustica da tecnociência: órgãos produzidos em laboratórios, transplantes, transfusões, partículas e nanorobôs, próteses e drogas que “enganam” o organismo... o corpo humano se submete a essa dominação, desde que alcance o que se dela espera: a melhora, a superação de obstáculos e do “normal”, rumo (sempre) ao topo.
Assim sendo, no caso de Michael Jackson, a metáfora da vitrine ou do hardware é perfeita para concluir a visão que o mitológico cantor tinha de seu próprio corpo. O “Rei do pop” se metamorfoseou tanto ao longo dos anos que se perdeu a conta: seu corpo ajustava-se conforme sua vontade. Até que um dia não agüentou mais...


Você e eu devemos fazer um pacto
Devemos trazer de volta a salvação
Onde existir amor
Eu estarei lá
”,

Trecho de “I’ll Be There”, Jackson 5.


Este trabalho é dedicado ao Rei do Pop (1958-2009).


THIS IS IT!





BIBLIOGRAFIA


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