Almas Geladas - por Marina Kezen

alma
s. f.
1. Relig. Parte imortal do ser humano.
2. Pessoa, indivíduo.
3. Habitante.
4. Índole.
5. Vida.
6. Consciência.
7. Espírito.
8. Fig. Agente, motor principal; o que dá força e vivacidade.
9. Essência, fundamento.
10. Entusiasmo, calor.
11. Ânimo, coragem, valor.

fonte: http://www.priberam.pt/DLPO/

"Cold Souls" é um filme de 2009, dirigido e roteirizado por Sophie Barthes, que narra a busca de um homem por sua alma. A premissa já amplamente trabalhada em diversas narrativas - a busca pelo "eu interior" ou o conhecimento de si - ganha um sentido literal na comédia. Paul Giamatti protagoniza a história como uma versão ficcionalizada de si mesmo, um ator que se vê oprimido na tentativa de representar Tio Vânia, de Anton Tchékhov, em um espetáculo teatral mas não consegue traçar a causa da sua angústia. Eis que um dia o personagem se depara com um artigo descrevendo o método de armazenamento de almas oferecido pela Soul Storage Company.

O slogan da clínica "Is your soul weighing you down?" (em português, "sua alma está te pondo pra baixo?" ou simplesmente "te pesando?") já explicita o discurso dos médicos: manter sua própria alma é uma opção. Ainda, livrar-se desse fardo é uma tarefa relativamente simples e depende somente de um procedimento de alta tecnologia. Paul Giamatti, desse modo, recorre ao congelamento e armazenamento de sua alma a fim de protagonizar a peça de Tchékhov sem maiores tormentos.
Após a operação conhecemos o Paul Giamatti desalmado, que realmente não põe tanto peso na própria existência e se sente melhor momentaneamente. Mas a ausência de alma no decorrer do filme é justamente o que o tranforma em um homem tolo. Seu casamento encontra-se em perigo quando sua esposa afirma não o conhecer mais, e sua performance como ator decai vertiginosamente uma vez que ele já não é capaz de emular emoções que não sente. Paul decide então reverter o procedimento e retorna à clínica, mas ao chegar recebe a notícia de que sua alma foi perdida.

O filme então apresenta outro desdobramento do sistema: a circulação ilegal de almas. Uma rede global de compra e venda de almas age clandestinamente, saqueando clínicas e lucrando às custas da "essência" de cada indivíduo. Nesse momento, nosso herói começa sua jornada em busca da alma perdida e parte determinado para a Rússia, onde se encontra a sede do mercado negro que roubou sua alma.

O aspecto metafísico da alma é completamente erradicado em "Cold Souls". Estas podem ser conservadas em recipientes em laboratórios e possuem formas e cores distintas. A companhia oferece um catálogo de almas disponíveis para aluguel onde constam idade, profissão, localidade e uma fotografia de cada uma destas almas. Percebe-se aqui que o filme trata o próprio cerne do indivíduo, justamente sua subjetividade, como commodity. Em "Cold Souls" a alma de um indivíduo é acima de tudo mercadoria e desse modo está subjugada a preceitos econômicos de oferta e demanda assim como padrões de consumo.

O filme retoma a discussão acerca dos paradigmas da vida quando pressupõe formato, serventia e venda da alma. É absolutamente possível, nesta narrativa, permanecer vivo a atuante tendo sua alma removida, mas características basais que até aquele momento definiam o indivíduo são perdidas com o procedimento. Quando a alma de Paul se perde no mercado negro, é cobiçada por uma atriz de novelas pouco talentosa. É interessante perceber que no filme as virtudes de um sujeito - como a aptidão para as artes cênicas, por exemplo - têm morada na alma. Ainda, as almas são compatíveis e sujeitas à troca. Assim como no paradigma vigente que nomeia o DNA como explicação para a vida, em "Cold Souls" as almas são o sistema operacional comum a todos os seres vivos e, sendo assim, passíveis de hibridação. O que se sugere aqui é um mapeamento do corpo humano em termos científicos e a possibilidade de reprogramação. A metáfora informática se encaixa nesta trama onde técnicas de alta tecnologia são aplicadas sobre a matéria orgânica a fim de obter uma mudança subjetiva.

trailer: