sábado, 5 de dezembro de 2009

O empreendorismo do "Eu" - Por Leonardo Campos


O empreendedorismo do “Eu” nos meios de estruturar uma estética corporal.

Na sociedade contemporânea o investimento mais comum tem sido a administração do próprio indivíduo, ou seja, a manutenção de uma felicidade constante. Essa alegria não é algo somente ligada ao âmago, ela precisa estar, concomitantemente, conectada a este e ser externada pelo corpo. Não obstante em ser feliz, há a necessidade desta ser vista e apreciada pelo próximo.
Cada vez é mais comum ver pessoas reclamando da falta de tempo, pois tal facto implica em minimizar os minutos disponíveis para realizar a auto-administração. O tempo realmente tornou-se algo escasso e valioso. Com um bem tão desejável, o instantâneo, o momentâneo tornaram-se primordial; o indivíduo contemporâneo não se permite a esperar, precisa de realizações imediatas. Esse contato permeado de velocidade, impede que o ser humano absorva com profundidade as experiências que ocorrem com ele, logo, os acontecimentos tornam-se algo efêmero. Os dias transformaram-se em horas, os anos em meses; o amanhã é propriamente o presente.
Esse fascínio pelo instantâneo reflete-se em um ser ansioso. As pessoas não agüentam esperar, com isso os artifícios para minimizar o tempo são utilizados abusivamente. O uso de medicamentos, tais como os suplementos alimentares, tem se tornado o milagre da era digital e o vilão da saúde. Imagine ingerir 250 gramas de um produto e prover das mesmas vitaminas, carboidratos, proteínas e sais minerais que um prato bem balanceado pode oferecer em um almoço. Como exemplo, há o produto Myoplex, sinônimo de alta sofisticação em alimentos para atletas, capaz de fornecer quantidades máximas necessárias de nutrientes por refeição a um esportista. Basta adicionar as 96 gramas do produto que vem em um sachê a 470 ml de suco de frutas ou água, agitar; e pronto, a refeição está feita. Os suplementos, muitos por serem em pó, facilitam a preparação, a ingestão e a digestão, o que ocasiona um menor gasto de tempo, tornando-se mais eficiente em comparação ao gesto de ir a um restaurante e escolher uma refeição bem balanceada.
Os suplementos apresentam-se com a finalidade de auxiliar na carência de certas substâncias necessárias ao metabolismo corporal. Podem ser ingeridos para complementar uma refeição ou substituir a mesma. Atletas de alta performance, por exemplo, necessitam absorver uma maior quantidade de nutrientes que através de uma alimentação sem suplementos seria impossível obter os resultados almejados. O problema não está na ingestão destes, mas sim, quando tornam-se algo vicioso e o que serve para dar suporte ao corpo, acaba denegrindo o próprio.
A Síndrome de Adônis ou Vigorexia (originada do termo em inglês “overtraining”) é um distúrbio psicológico no qual o individuo é obcecado pela prática de exercícios,alcançando um patamar de grande definição e estrutura muscular, todavia, ao se olhar no espelho o mesmo sente-se fraco fisicamente. Pode-se dizer que é um transtorno as avessas da anorexia. Essa doença leva a pessoa a fazer grande utilização de suplementos o que pode causar várias disfunções ao corpo humano, prejudicando os rins, o fígado e o estômago. Um segundo passo é a utilização de anabolizantes, uma vez que os efeitos dos suplementos passam a ser irrisórios.
Os hormônios esteróides são fundamentais para a manutenção do metabolismo humano, pois atuam no crescimento e divisão celular, sendo responsável pela formação, principalmente, dos tecidos ósseo e muscular. Estes podem ser naturais ou sintéticos. O primeiro é produzido pelo corpo humano; o segundo é produzido em laboratório e apropria-se do nome anabolizante; ou popularmente conhecido como “bomba”. Os anabolizantes mais comuns são o GH (Groth Hormone), hormônio do crescimento; e a Testosterona, hormônio sexual masculino. Ambos são responsáveis pelo aumento de força; síntese protéica, isto é, ganho de massa muscular magra (obtenção de músculos sem que estes venham acompanhados com o ganho de gordura) aumento da libido; crescimento dos pêlos e etc. As bombas podem ser ingeridas através de pílulas ou através de aplicações, por seringas, diretamente na corrente sanguínea.
Em um primeiro entendimento, pode parecer que os anabolizantes são fórmulas mágicas para se obter a estética corporal perfeita, pois alia-se pouco gasto de tempo nas academias com a obtenção do corpo desejado. Tal facto é completamente compreensível e verossímil a sociedade contemporânea; pois gera a sensação de uma felicidade breve. Entretanto, as contra-indicações que os mesmos apresentam são um presságio a respeito de uma saúde em decadência. Alguns efeitos colaterais: Ginecomastia (aumento do tecido mamário em homens, ocasionado seios parecidos com os de uma mulher); aumento da pressão sanguínea; acne; alteração dos ciclos menstruais nas mulheres; atrofiamento dos testículos em homens; e, dependendo do tipo de anabolizante ingerido e a quantidade, até a morte súbita. Eis alguns nomes mais conhecidos de bomba: Deca e Durateston servem para o crescimento muscular; gerando um “inchaço” do músculo; e há, Oxandrolona e Estanozolol para viabilizar uma definição muscular, ou seja, a queima de gordura no corpo.
Pessoas que visam uma maior performance para gerar um físico símbolo de perfeição em um curto período, utilizam-se destes medicamentos e acabam desvirtuando a verdadeira razão destes remédios de existirem. Com acompanhamento médico, receita prescrita e dosagens certas; estes são indicados à doenças realmente graves. Um exemplo é o uso do remédio Hemogenin, devido o próprio estimular a produção de glóbulos vermelhos, ele é usado no combate ao vírus do HIV ou anemia. Algumas pessoas utilizam o mesmo para gerar uma sobrecarga no metabolismo e promover uma transformação estética no corpo, através do ganho exagerado de músculos. Entretanto há um problema, essas drogas apresentam um resultado efêmero, ou seja, precisam ser tomadas continuamente para que o efeito permaneça. Para um individuo que possui um corpo saudável, isso significa dependência, pois sempre precisará destas drogas para gerar um alto rendimento, isto é, a destruição do próprio organismo.
As questões acerca dos suplementos alimentares e dos anabolizantes ainda apresentam grande misticismo; especialmente as relacionadas ao segundo, uma vez que testes científicos, a respeito destes, são proibidos no mundo. Entretanto; ambos são formas de tecnologia contemporânea na qual o corpo encontra um certo hedonismo. A filosofia dos fisiculturistas da década de 80 do século passado: “ No Pain No Gain”; ou seja, sem esforço ou dor não há ganho, já não é mais válida. Esses aparatos tecnológicos induzem ao corpo uma maneira de alcançar sua meta, neste caso a perfeição física, sem que a mesma ocorra através da dor ou da transposição de barreiras. O corpo passa a ser regido por novas subjetividades, no qual, a velocidade, o efêmero, e a privação da sensação de sofrer, são paradigmas que balizam essa nova condição da estrutura humana.
Este texto não possui a pretensão de corroborar o que está certo ou errado; e sim, é uma maneira de expor as transformações de valores pela qual a sociedade está passando e dos artifícios que a mesma utiliza para se adaptar a sua era. Encontrar as respostas das interrogações apresentadas, com certeza, é uma questão de tempo!

Leonardo P. O. A. Campos

BIBLIOGRAFIA


COSTA, Jurandir Freire. “A personalidade somática de nosso tempo”. In: O vestígio e a aura: Corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2004; p. 185-202.

COUTO, Edvaldo Souza e GOELLNER, Silvana Vilodre (orgs.) Corpos Mutantes. Ensaios sobre (d)eficiências corporais. Porto Alegre. Editora UFRGS, 2007

DWORKIN, Ronald W. Felicidade Artificial. O lado negro da nova classe feliz. Tradução de Paulo Anthero S. Barbosa. São Paulo, Editora Planeta, 2007.

SCHWARZENEGGER, Arnold. Enciclopédia de Fisiculturismo e Musculação. Tradução de Márcia dos Santos Dornelles e Jussara Burnier. Porto Alegre, Ed, Artmed, 2001.

FOUCAULT, Michel. “Poder-Corpo”, In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1979; p.145-152.

KURTZWEIL, Ray. “Ser humano versão 2.0”. Folha de São Paulo, 23/03/2003; p. 4-9.

LENT, Roberto. “Não é mais ficção”. (Entrevista realizada por Daniela Pinheiro). Revista Veja. São Paulo, 27 de setembro de 2006.

SIBILIA, Paula. “A digitalização do rosto: Do transplante ao PhotoShop”. Dossiê “Estéticas da Biopolítica”, revista Cinética, São Paulo, 2007.


SIBILIA, Paula. “De Frankenstein a Pigmalião: O ‘corpo perfeito’ como uma obra de cirurgiões e designers”. In: SPANGHERO, Maíra (Org). Corpo Versão Beta: Ensaios sobre dança, corpo e computação. São Paulo: PUC-SP, 2009.

SIBILIA, Paula. “Ser humano” e “Natureza”. In: O homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Ed. Relume Dumará, 2002.

COURTINE, Jean-Jacques. “Os stakhanovistas do narcisismo: Body-building e puritanismo ostentatório na cultura americana do corpo”. In : SANT´ANNA, Denise (Org.). Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995. p. 81-114.

www.lookfordiagnosis.com

www.wikipedia.org

Nenhum comentário:

Postar um comentário