domingo, 6 de dezembro de 2009

Clones, Botox e Marketing - Por Renato Lopes


Em meados de 1996, curiosamente na mesma época em que surge a notícia do
primeiro mamífero clonado a partir de uma célula adulta, os estúdios da
Columbia Pictures lançam um filme de comédia com temática relacionada à
clonagem humana.

Apesar de ser um filme digno da "Sessão da Tarde" que beira o pastelão,
o desenrolar da história abre possibilidades para discussões a respeito
do modo de viver no mundo moderno - mesmo que a intenção do diretor pareça
estar longe de abordar dilemas morais e éticos.

A estória tem como personagem principal Doug, um sujeito a beira de uma crise
nervosa que não consegue tempo suficiente para conciliar trabalho e família.
Sua esposa, incomodada por ter-se afastado do emprego para tornar-se uma "dona
de casa" conclui, após uma discussão, que seria necessário um milagre para que
suas vidas voltassem à tranquilidade.

Doug conhece então Dr. Leeds, um cientista que diz ser capaz de "criar tempo".
Após uma visita ao escritório de Leeds e uma curta conversa a respeito do seu
trabalho, Doug é apresentado a um clone do cientista. Os dois cientistas lhes
oferecem a possibilidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo, vendendo a
idéia de que Doug poderia se livrar de seus problemas criando outro Doug. "O
procedimento é rápido, não dura mais de duas horas".

A questão do custo de realizar tal procedimento chega a ser levantada em dado
momento mas não se diz qual o preço deveria ser pago por Doug. No entanto no
decorrer do filme quando novos clones surgem, incluindo um que foi "comprado
com desconto", sugere-se que a possibilidade de aquisição de um novo eu não
estaria restrita às classes mais abastadas.

No ambiente ficcional do filme a tecnologia é tão avançada que o método de
clonagem já nem se baseia nas técnicas utilizadas hoje. Não se trata de colocar
o material genético do organismo a ser clonado em uma célula embrionária. O
produto oferecido é uma cópia física idêntica do indivíduo, no atual estado de
seu desenvolvimento biológico e ainda com todas as suas memórias e experiências
subjetivas que definem sua personalidade.

Os cientistas esperam que as cópias passem a divergir psicologicamente a partir
do momento da clonagem à medida que vão sendo expostas a experiências diferentes.
No entanto o que se observa é que os clones "nascem" com personalidades próprias,
apesar da aparência e memórias idênticas ao original.

Diferente da criatura do Dr. Frankenstein, nesse filme as cópias não se rebelam
contra seu "criador" e realmente vivem como aliados a Doug para possibilitar a
todos uma vida melhor. Mas é claro que nada sai como o esperado. O verdadeiro
milagre que se espera para a solução dos problemas resulta da introspecção do
Doug original após sucessivas frustrações ocorridas durante suas tentativas de
curtir o tempo que lhe sobrou enquanto seus clones o substituiam para cumprir suas
obrigações.

É interessante notar que a decisão de retomar sua vida sem os clones só ocorre
depois de Doug conversar sobre si com suas diferentes personalidades, remetendo ao
processo terapêutico proposto pela psicanálise.

Deixemos a ficção um pouco para discutir um outro procedimento já comum atualmente.
A aplicação do Botox. O "Photoshop biológico" completou 20 anos em 2009, sendo o
Brasil o segundo maior consumidor do produto. A revista O Globo dedicou a capa da
edição de 04 de outubro ao assunto com uma reportagem que explica as maravilhas dessa
técnica, os riscos associados e, principalmente, a importância de submeter-se ao
procedimento somente se realizado por um profissional capacitado.

Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia o que impulsionou essa
demanda foi a entrada das classes C e D no mercado consumidor de procedimentos
cosméticos. Mais uma vez, o precedimento oferecido é rápido e não-invasivo. Segundo
a reportagem os preços por aplicação variam entre R$900,00 e R$2000,00 por um
rejuvenescimento que dura cerca de quatro meses.

Após uma aplicação bem sucedida as expressões de tensão e preocupação desaparecem
do rosto fisicamente photoshopado. Mas o que dizer a respeito dos motivos pelo qual
o rosto em questão carregava uma expressão de cansaço? Os dermatologistas insistem
em avisar que não se deve fazer uso abusivo do procedimento e recomendam que seja
respeitado um intervalo de pelo menos seis meses entre cada aplicação. Após os
quatro meses de duração da toxina resta conformar-se por dois meses até que vença
o período de resguardo e repita-se o procedimento.

Desnecessário dizer que as recomendações médicas não são seguidas por todos. Mesmo
no caso de um dermatologista se recusar a fazer a aplicação por achar arriscado
o abuso da substância, outro "especialista" poderá realizar o mesmo procedimento
por um valor menor.

O ponto que me parece importante colocar em questão é:

Vivemos em uma sociedade caótica, veloz, competitiva e estressante que sugere a
imagem do sujeito "gestor de si" como o ideal a ser alcançado. No entanto, uma das
principais características de um bom gestor é justamente a habilidade de definir e
analisar e evitar riscos ou pelo menos minimizar o impacto de riscos inevitáveis.

Acontece que em casos como os discutidos em nossa disciplina e nesse blog, as
informações a respeito dos riscos envolvidos no consumo dos produtos analisados vêm
dos próprios fabricantes. E como os valores obtidos com a venda devem superar os custos
de pesquisa e produção é importante que o produto passe a imagem de segurança ao
consumidor, mesmo que seja apenas na imagem.

A decisão de usar ou não botox, anabolizantes, nanorobôs, câmaras hiperbáricas, criogenia,
células de cordões umbilicais, cirurgia plástica ou mesmo clonagem deve ser tomada
pesando as possíveis reações adversas. Mas assim como hoje para uma pessoa estafada
pode exibir uma expressão lisa e descansada graças à toxina butolínica, um produto
extremamente nocivo pode passar a imagem mais segura possível, respaldada por
especialistas graças ao Marketing. A pergunta que fica é até onde você se permite
duvidar desse marketing?

Trailer do filme:

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