sábado, 5 de dezembro de 2009

Feiticeira x Joana Prado – por Thiago L. de Freitas

Joana Prado iniciou a sua carreira como assistente de palco e dançarina do “Programa H”, apresentado por Luciano Huck na Rede Bandeirantes. Sua personagem Feiticeira alcançou grande projeção na mídia por desfilar em trajes sensuais, além de um lenço que escondia parte de seu rosto que dava à personagem um toque de mistério e sensualidade. Feiticeira começou rapidamente a fazer parte do imaginário erótico de fãs de todo o Brasil. Esse sucesso acarretou a participação de Joana em três ensaios fotográficos para a revista Playboy, chegando a 1.234.288 exemplares vendidos em 1999.
A imagem de Joana era vinculada à sua personagem, visto que não fazia aparições na mídia sem o figurino inspirado nas odaliscas. Assim, ilustrava um tempo onde o corpo já não era mais recluso, porém livre, praticamente nu, capaz de transmitir o prazer através do erotismo.



Algum tempo após o fim de seu contrato com a TV Bandeirantes, Joana (não como Feiticeira) participou do Reality show “Casa dos Artistas”, onde foi duramente críticada por estar com um porte mais musculoso, entre as críticas a acusações de uso de anabolizantes.
Durante um programa de TV no Ceará, a dançarina analisou sua participação no programa Casa dos Artistas como um marco para a afirmação da sua personalidade perante a mídia. Pode-se entender que Joana caracteriza esse momento como a separação de sua imagem com a de Feiticeira, embora reconheça que seu público, em parte, permanece o hábito de chamá-la pelo nome da personagem.
Pode-se destacar nessas questões a não aceitação do público de uma Joana com um porte corporal mais musculoso, que se diferenciava bastante do habitual. Um público com educação baseada na moral cristã e no machismo acabou sendo “doutrinado” para aceitar o corpo feminino com espaço à pratica da “feminilidade”. Ou seja, em casos como o de Joana Prado, não pode-se subestimar os valores construídos socialmente que permeiam todo o imaginário de idealização de corpo, como traços mais delicados para as mulheres, além de todo o imaginário sensual que habita essa condição, muito influenciados, em pleno século XXI, por concepções ditas machistas da nossa sociedade. Umas das grandes consequências é o corpo feminino idealizado apenas pelo erotismo e fetichização, tornando-se um mero produto, com grande potencial de mercado.
Para ilustrar o fato, pode ser citado o ocorrido com a própria vítima em novembro de 2009 no programa 'João Inácio Show', exibido na TV Diário de Fortaleza. Joana Prado se incomodou quando o apresentador começou a lembrar do seu passado e de Feiticeira. Joana ameaçou deixar o programa e logo depois faz uma declaração emocionada sobre o fato.
“Sei que tenho uma história como feiticeira. Mas, o que eu quero deixar bem claro, é que hoje em dia eu tenho coisas mais bacanas para mostrar. Eu tenho coisas mais legais para falar. Eu tenho três filhos e não quero que a referência deles seja essa. Outro dia meu filho me perguntou: "Mamãe você dançava de biquíni?", ai eu disse: "Eu dançava filho, mas hoje a mamãe tem uma outra vida".
Ela proíbiu que as fotografias da Playboy e suas imagens como Feiticeira fossem transmitidas pelo programa. Joana declarou:
"Eu me sinto constrangida quando me vejo dançando, porque hoje minha vida é outra".
O ponto que deve ser compreendido é a diferença de concepção de corpo para Joana em diferentes tempos. A dançarina sensual se transforma em mãe de três filhos e evangélica, não aceitando o uso de seu corpo da maneira como Feiticeira. Joana não deseja mais para ela um vínculo com o seu passado:
“Hoje tem coisas melhores”.


Demonstra que seu corpo não representa mais um produto, mas sim um local onde é presente seus outros valores pessoais. O caso de Joana Prado é muito semelhante com o de outras artistas, por exemplo, de Xuxa, que omite até hoje sua participação no filme de gênero pornochanchada “Amor Estranho Amor” (1982).
Neste caso, também há uma relação entre o uso do corpo e a imagem produzida. Xuxa, que hoje tem utilizado seu corpo e imagem para apresentar um programa infantil, esteve vinculada a um filme que poderia descaracterizar os valores que ela propõe transmitir.
Joana Prado quer “apagar” a maneira que utilizou o seu corpo, para reforçar novos valores. Se por um lado, a sensualidade e o erotismo são estimulados e vendidos como produto, por outro, são condenados por aqueles que pregam ideais de família e de boa conduta. A exposição do corpo pode ser considerada como um ato vulgar, construindo uma imagem, que por razões pessoais, podem ser combatidas posteriormente, como é o caso de Joana.
Percebe-se claramente uma mudança na concepção de corpo para a artista. Caso contrário, não haveria justificativa para a proibição de sua imagem como Feiticeira, vinculada a um corpo “erotizado”. Joana se alia ao pensamento de que hoje é mãe e cristã, por isso o passado já não lhe é confortável. A compreensão do corpo e das maneiras de sua utilização, variam de acordo com as linhas de pensamento que se está inserido. Com este trabalho, não pretendi discutir o problema da mídia (sabe-se que a produção do programa não a avisou sobre essa parte da entrevista), mas sim, o problema do corpo e da maneira que ele pode ser compreendido. Hoje, Joana prefere a desvinculação de sua imagem com o passado, em prol de uma nova imagem produzida pelo seu corpo, que não é mais aquele sensual e sim, de uma mulher que tem outros valores. Com isso, tenta desconstruir a mulher “sensualizada” do passado e faz referência a outras possibilidades de exploração do seu corpo, de maneira mais adequada ao que pensa no momento. Contudo, pode-se concluir que há diversas maneiras de interpretação do corpo coexistindo na sociedade. Alguns são mais tradicionais e presos a certos valores religiosos de um corpo mais “puro” e “santo”, enquanto outros são mais secularizados e demonstram ligações diretas com o erotismo e a valorização do corpo como forma de prazer.

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