sábado, 5 de dezembro de 2009

Womens’s Health: Você, só que melhor - Por Bárbara Araújo Machado



A revista Women’s Health, com seu visual mais discreto do que em geral as revistas femininas costumam ter, passa a impressão de que, diferente destas, aborda assuntos relativos à saúde e ao bem-estar femininos, sem espaço para “futilidades”. Entretanto, apesar de artisticamente trabalhada em preto e branco, a imagem de uma mulher sorridente com o corpo considerado ideal revela a que veio a revista.
As letras miúdas que acompanham o título dão o recado de forma bastante direta: “Womens’s Health: Você, só que melhor”. Essa frase já evidencia para o leitor que seu corpo, obrigatoriamente imperfeito, pode ser melhorado com o auxílio do conteúdo da revista. Como afirma Paula Sibilia, a impureza do corpo contemporâneo consiste no seu caráter imperfeito e finito (SIBILIA, 2008a), sendo cada vez mais “considerado um rascunho, um objeto em progressiva obsolescência que precisa ser redesenhado” (COUTO, 2009). Partindo desse pressuposto, a revista traz diversas “soluções” para o problema: dietas, produtos de beleza, exercícios físicos, remédios e conselhos sexuais. Tudo para garantir que o leitor se adeque aos “cânones da qualidade de vida”, que postulam que “ser jovem, saudável, longevo e atento à forma física” é “a regra científica que aprova ou condena outras aspirações à felicidade” (COSTA, 2004: 191).
Uma chamada interessante na capa é a do quiz “O que os outros pensam de você? E como usar isso a seu favor”. Considerando-se metamorfose da subjetividade que parece estar se configurando nos últimos tempos, na qual o eu passa “do interior para o exterior, da alma para a pele, do quarto próprio para as telas de vidro” (SIBILIA, 2008b: 90-91), a preocupação relativa a quem se é está na maneira como se é visto. E mais do que entender essa relação, o que importa é “usar isso a seu favor”. Segundo Jurandir Freire Costa, “continuamos a precisar do reconhecimento do outro para estarmos seguros do valor de nossos ideais de eu” (COSTA, 2004: 197), apesar do desgaste da importância emocional do outro em tempos de corpolatria individualista.
Há ambigüidade na necessidade de se adequar ao modelo de corpo ideal e de qualidade de vida. Isso porque, por um lado, essa necessidade é produzida e alimentada cotidianamente em cada um de nós através do poder-estímulo, como indica Foucault. Não é mais através do poder disciplinar que é exercido o controle dos corpos, mas através de hiperestímulos contraditórios. O novo controle não passa pela punição, mas pela criação de desejos. Por exemplo: ao passo que devemos comer sanduíches do Mc Donald’s e chocolates da Nestlé, devemos ter um corpo como o da imagem na capa da Women’s Health. Entretanto, atingir esse ideal ainda passa pelas técnicas disciplinares (dietas, exercícios, etc.). Como afirma Jurandir Costa, “a bioascese exige uma enorme disciplina dirigida para a reeducação de hábitos insalubres, predatórios ou poluidores” (COSTA, 2004:191).



Não se pode deixar de relacionar a eficácia do “controle-estimulação” (FOUCALT, 1979, 147) com o sentimento de inadequação daqueles que não conseguem atingir os ideais propostos. Como indica Sibilia, é essa a forma de masoquismo inventada pela nossa sociedade: “quanto mais nos empenhamos em (...) melhorar a qualidade de vida, conservar a juventude e a saúde ilimitadas, ampliar as satisfações emocionais e corporais, sensoriais e estéticas, lúdicas e distrativas, maior também e a insegurança, o medo do desprezo e da rejeição”. (COUTO, 2009). A corpolatria, a despeito do sorriso relaxado da modelo da Women’s Health, provoca preocupação e sofrimento. Apesar de Jurandir Freire costa argumentar que “o corpo da publicidade (...) não se dirige diretamente a nenhum de nós” e “apenas se apresenta como um ideal que devemos perseguir, sem consideração pelas consequências físico-emocionais que venhamos a sofrer” (COSTA), o subtítulo da Women’s Health fala diretamente à leitora: você é imperfeita, você precisa melhorar.



BIBLIOGRAFIA

COUTO, Edvaldo Souza. Corpos dopados: medicalização e vida feliz. In: Ribeiro, Paula Regina Costa et al. Corpo, gênero e sexualidade: composições e desafios para a formação docente. Rio Grande: Editora FURB, 2009, pp. 43-53.
COSTA, Jurandir Freire. A personalidade somática de nosso tempo. In:_____. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004, pp. 185-202
FOUCAULT, Michel. Poder-Corpo. In:____. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, pp. 145-152.
SIBILIA, Paula. Eu visível e o eclipse da interioridade. In:_____. O show do eu: A intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário