quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Corpocidade - Por Dally Schwarz (versão completa!)

Arte [vida] de


Falar do corpo contemporâneo é falar de um organismo, ou de um sistema de informações. Uma rede de negociações que são traçadas virtualmente no nosso cotidiano. Os corpos cada vez mais se conectam e desconectam dos territórios, e através das novas tecnologias, como câmera de celulares, GPS, i-pods, interagimos com o ambiente compondo-o no cenário tecno-cidade ideal.

Construímos esse tipo de cidade, com suas tecnologias especificas em que as propagandas ganham corpo e flutuam sobre nossas cabeças, isso quando não estão no nosso próprio corpo. Somos interpelados a todo o momento por elas. Elas estão cada vez mais sedutoras, criativas e convincentes, e por que não artísticas?

O que notamos mesmo é que a arte e a propaganda conseguem se unir e criar campanhas publicitárias fantásticas, em que a imagem do produto e a sua trajetória no mercado importam mais do que o produto em si. Mas o que se torna “fantástico”, no sentido literário da palavra, é que muitas destas estratégias são conhecidas e se autodenominam no mercado publicitário como marketing de guerrilha.


Guerrilha. s.f. Bando armado de voluntários, que combatem o inimigo fora do campo ou por emboscadas; tropa indisciplinada; quadrilha de ladrões; facção política que não chega a constituir partido disciplinado.

Dicionário Brasileiro GLOBO, Francisco Fernandes, Celso Pedro Luft e F. Marques Guimarães


Esse tipo de estratégia de marketing, muito comum na nossa sociedade tecnocientifica, valoriza muito a interatividade e a sensação de realidade entre o mundo encantado da propaganda e a vida cinza e banal cotidiana, e na maioria das vezes elas são feitas no espaço público das ruas, em forma de intervenção urbana.

Uma das campanhas mais conhecidas de guerrilha era a de pessoas contratadas por empresas para tatuarem em seus corpos símbolos de marcas. De uma maneira engraçada ou de mera coincidência, ou quem sabe em resposta a ação publicitária, um artista do Rio de Janeiro, Ducha, fez um trabalho no ano de 2002 chamado Tatuagem sobre homem mal remunerado, através de um edital do Itaú Cultural, em que ele contratou um homem para tatuar em sua cabeça o símbolo do Itaú, levando esta ação para galeria, no corpo do sujeito, como seu trabalho de arte.




Made for you. Tatuagem sobre homem mal remunerado, Galeria Itaú Cultural, São Paulo,
fevereiro de 2002.


Atualmente existem agencias publicitárias que se dedicam somente a este segmento de propaganda e que se diferenciam por criarem tais mídias mirabolantes. Organizam campanhas de marketing com direito a passeatas, amostras grátis de produtos e muita, mais muita interatividade. Fica difícil separarmos entretenimento e propaganda, e nessa mistura “genial” o produto em si torna-se mero fim, esse fim não parece mais interessante em nossa sociedade do “quero sempre mais”. O desejo hoje é direcionado para os interstícios do novo, ele se projeta no futuro em devir constante de mais desejo, em uma espiral do prazer, em que este nunca é alcançável, logo, não parece finito.


Para além de uma análise socio-comportamental dos indivíduos, estamos interessados em discutir a relação entre arte, propaganda e corpo. A arte no âmbito das suas expressões mais críticas ou que possuem uma verve de negação, e a propaganda atuante nos corpos contemporâneos e no cotidiano das pessoas em forma de entretenimento.

O interessante aqui é notar como a arte, que muitas vezes quer debochar da vida medíocre que levamos, vai agir conjuntamente a propaganda, muitas vezes não conseguindo escapar. Obviamente se pensarmos que uma mesma ação tem seu sentido completamente diferente nos espaços em que é feita, na galeria ou nas ruas, e dentro de um sistema de compartilhamento de signos diferentes, vamos conseguir enxergar a diferença entre a arte e a propaganda, como também os efeitos midiáticos que cada uma destas vai repercutir.



Mas, a questão aqui colocada é: a arte se deparando com as novas estratégias da propaganda trás uma ação crítica, ou simplesmente faz um retrato estético dessa realidade se tornando propaganda de si mesma?

Publicidade. s.f. Qualidade do que é público; vulgarização; divulgação; propaganda por anúncios, cartazes; reclamo.

Dicionário Brasileiro GLOBO, Francisco Fernandes, Celso Pedro Luft e F. Marques Guimarães

Discutir se os artistas estão interessados em fazer publicidade de seus trabalhos seria uma perda de tempo, uma vez que por serem sujeitos públicos, já estão inseridos nesse sistema midiático, e necessitam dele para articular seus trabalhos em algum mercado e circuito de arte. A discussão aqui é no plano do tipo de trabalho e sistemas de arte em que ele se articula e circula.

É uma discussão que se aplica também as propagandas, é uma discussão ética, não moral, acerca da arte e suas aplicações sociais. Se a arte fosse uma mera expressão subjetiva, que não contivesse em si status e valor, não teríamos um mercado tão lucrativo e cheio de investimentos.

Essa discussão se torna ética uma vez que invade o espaço publico da cidade, tatuando seus tecidos, comprimindo os corpos dos sujeitos, deixando-os quase sem brecha para respirar. E o que torna essa questão mais um ponto para uma discussão acerca da ética é que a propaganda não só reprime, mas muitas vezes é prazerosa e extremamente aceita pelas pessoas movendo desejos e moralidades.

[outro dia, eu estava andando pela Rua Visconde de Pirajá em Ipanema e no meio de diversos trabalhadores que me ofereciam papeizinhos de “compramos ouro” e “ganhe dinheiro fácil”, vi outro sujeito que tinha nas mãos uma bandeja com uma espécie de copinho. Parecia gostoso e saia fumaça. Cheguei perto e perguntei se era de graça, ele me deu e disse que era icecoffe. Nesse momento, eu agradeci pela campanha de marketing. Ah, claro! Era apenas uma propaganda de uma cafeteria com internet que tinha aberto no Center a frente. A idéia era fazer uma degustação a ar livre e distribuir uma filipeta junto ao “souvenir” que valia 10% de desconto em algum produto da loja.]

A resposta da arte vem em forma de performances no espaço público, happennigs, arte pública, intervenções e interferências urbanas. Na sua maioria das vezes são respostas estéticas relacionais, que convidam e apelam às sensorialidades mutliplas dos passantes.

Diversos trabalhos se utilizam desse lugar publico para uma maior circulação da arte, para construir uma arte realmente pública, no sentido de arte como produção cultural disponível a qualquer sujeito.

É difícil escapar da tramóia do mercado [é possível?], e principalmente agora, a criatividade está por aí, em forma de arte-produto disponível a todos, fazendo talvez um papel que a arte pública queria fazer, atingir mais pessoas, mas a grande questão é que:

A arte pretendia não só alcançar esse público, como fazê-lo pensar e sentir no corpo aquilo que ele é exposto todos os dias, criticar, não comunicar em meio a tanta comunicação, remover sentidos dos lugares cheios de sentido, deixar relaxar, distencionar, fascinar sem fins lucrativos.

[Produto a venda! Arte a venda!

Des-frute! De-guste!

Não pague nada e não leve para casa!]


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