sábado, 5 de dezembro de 2009

Ética e moral no filme “A Ilha” - Por Carolina Carrinho




"Lincoln Six-Echo é um morador de um utópico porém rigorosamente controlado complexo em meados do século 21. Assim como todos os habitantes deste ambiente cuidadosamente controlado, Lincoln sonha em ser escolhido para ir para "A Ilha" – dita o único lugar descontaminado no planeta. Mas Lincoln logo descobre que tudo sobre sua existência é uma mentira. Ele e todos os outros habitantes do complexo são na verdade clones cujo único propósito é fornecer “partes sobressalentes” para seus humanos originais. Percebendo que é uma questão de tempo antes que seja “usado”, Lincoln faz uma fuga ousada com uma linda colega chamada Jordan Two-Delta. Perseguidos sem trégua pelas forças da sinistra instituição que uma vez os abrigou, Lincoln e Jordan entram em uma corrida por suas vidas e para literalmente conhecer seus criadores." Sinopse

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O filme 'A Ilha' estabelece uma ótima oportunidade para o debate acerca das divergências éticas que advirão quando a possibilidade de clonagem de seres humanos for mais do que um mero elemento somente presente em obras ficcionais. É uma história de terror ético em que cientistas que fazem experiências em genética humana, visando promover os avanços da medicina, são retratados como vilões em estilo Dr. Frankenstein.

O longa-metragem nos leva a pensar e repensar os objetivos e pretensões da ciência ao abordar a clonagem. Como em outros filmes que utilizam laboratórios como um de seus cenários principais, “A Ilha” nos coloca diante de empresários e cientistas inescrupulosos, mas nos alerta para a necessidade de estarmos de olhos abertos e atentos para os eventuais desmandos e descaminhos da ciência.

Com o avanço da robótica e a clonagem de humanos, muita coisa poderá acontecer, como Hollywood já antecipou. Mas como estabelecer os limites desses avanços tecnológicos? Se é possível fazer um clone para que este possa salvar a vida de um ser-humano, por que não fazê-lo? O clone viria ou não a ser humano? O filme nos coloca diante dessas questões, e a ética, ou pressão moral, está muito presente em sua narrativa.

Para melhor discuitrmos a questão ética da clonagem, será importante resgatar na história como a nossa relação com o corpo vêm se transformando. Na contemporaneidade nós cultuamos o corpo, porém novos critérios morais fazem com que nem tudo em relação a ele seja "permitido". O corpo tem que ser controlado o tempo inteiro, com a moralidade. Um grande paradoxo hoje é o fato da "descorporização", ou seja, o corpo não quer mais ser corpo, ele quer ser imagem, pois a imagem não envelhece, não sua, e nem engorda. O corpo é cultuado como imagem e odiado como matéria orgânica.

Antes a medicina era pensada como um conjunto de ferramentas ,a serviço do ser-humano, para curar patologias. Porém houve redefinições, e os estados patológicos e normais passaram a ser dificil de identificar. A medicina passa a implementar os estados ditos "normais", se transformando não apenas em um saber que cura os doentes, mas oferecendo produtos para implementar esses estados. Hoje a natureza humana esta sendo contestada. Temos a proposta de reformulação do corpo, transformando-o de 1.0 para 2.0, não só a forma de tratar a matéria mudou, mas também a maneira de pensa-la.

Ao clonar um animal estamos tratando da engenharia genética. Antigamente o sinônimo de vida era o batimento do coração, hoje vida significa informação. Isso é uma referência ao código genético, ou seja, a genética (informação) explica a vida. Essa redefinição sofre grande influência da informática, pois pensamos ser máquinas com software, e nossos corpos visam se tornar 2.0. Sonhamos que a genética seja desprogramada, para que doenças também o sejam, ou como o filme relata, possamos criar clones de nós mesmos a fim de melhor administrar um cancêr, por exemplo, como é o caso do homem cujo clone é Lincoln.

Até que ponto é possível, e certo, aperfeiçoar um corpo? Qual é a fronteira do natural e do artificial? A definição de natural é o ser que precipita o seu próprio movimento, sem intervenção humana, e artificial é tudo aquilo que é modificado pelo homem. Porém esse diferença está se tornando cada vez mais confusa, a fronteria é pouco nítida entre uma definição e outra. Com o desenvolvimento da tecnociência e a derrubada de certos limites morais e culturais as intervenções nos corpos vivos tem aumentado. A quantidade e a qualidade das transformações cresceu nos últimos anos. Com isso surgiram discuções com âmbitos morais, fazendo essa confusão entre artificial e natural. No filme essa distinção é tão complexa que os clones não tem consciência de serem seres artificiais, e quando conseguem se misturar à população não apresentam quaisquer diferença em relação aos homens de verdade. Lincoln e Jordan são seres artificiais frutos da engenharia genética, e a qualidade humana deles é igual ou superior a do ser-humano.

A ciência tem a vontade e a pretensão de ultrapassar todos os limites orgânicos. Limites que eram respeitados pela moral. Fausto é o símbolo da modernidade, o homem que quer ir além, fazer mais, poder mais. A teoria fáustica acredita no desenvolvimento da tecnociência. O corpo foi digitalizado, fazendo com que as necessidades fisiológicas e seus limites sejam repensados. Nossos corpos como máquinas estão condenados à morte, à obsolescência.As tecnologias e a comunicação desafiam os limites espaciais do corpo humano.

É interessante pensar que os avanços na medicina, assim como aumento da possibilidade de se criar clones humanos, venha do fato de vivermos em uma sociedade de risco. Não buscamos mais a normalidade, e sim descobrir qual o risco de morrer, adoecer ou de envelhecer. Ficamos sendo controlados pelos imperativos da saúde, ela e a vida são fundamentais.

Bibliografia:

SIBILIA, Paula - O Homem Pós-Orgânico: Corpo, Subjetividade e tecnologias digitais

KURZWEIL, Ray - Ser Humano 2.o

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