segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Faz Viver a Vida - Por Viviane Roux




“Por me interessar pelo tema, tive acesso a estatísticas aterradoras sobre anorexia alcoólica, distúrbio alimentar batizado de drunkorexia, em que as mulheres substituem a alimentação pelo álcool, para não ganhar peso com a ingestão de bebida. Segundo informações de psiquiatras, o alcoolismo feminino quase sempre está associado a transtornos psicológicos como a anorexia, a bulimia, a depressão, a ansiedade. A personagem Renata (Bárbara Paz) vai viver esse drama e terá que superá-lo.”
Manoel Carlos, autor de Viver a Vida

"Quantos quilos eu emagreci, eu não sei, mas foi o suficiente para as calças ficarem largas e eu muito feliz"
Taís Araújo, a Helena de Viver a Vida



Viver a Vida é a atual novela que vai ao ar às 21 horas na Rede Globo. Líder de audiência em seu horário, como as novelas do canal costumam ser, esta se diferencia por apresentar um núcleo de modelos liderados por Helena, interpretada pela atriz Taís Araújo e Luciana, Alinne Moraes. As duas, assim como o resto do elenco da novela, são impecáveis em seus corpos, dos cabelos sedosos aos dentes brancos, da maquiagem perfeita à pele lisa.

Dentre os dramas apresentados por Manoel Carlos em sua obra, destacamos o caso da personagem Renata, vivida pela atriz Bárbara Paz. Renata sofre de anorexia alcoólica ou drunkorexia. Este distúrbio se caracteriza basicamente pela não ingestão de alimentos e a troca desses por álcool. Além do desejo de manter-se dentro dos padrões exigidos por uma sociedade que prioriza corpos magros e jovens, há também, o entorpecimento com o álcool, muitas vezes relacionado à depressão, estilo de vida desregrado. Uma dissonância entre o cuidado de si que além da beleza, valoriza a saúde, e a vitrine compulsória, onde o corpo deve aparentar o que se é em sua superfície, assim, os sacrifícios a que se submete para mantê-lo belo e jovem, são válidos.



Interessante notar, que ao mesmo tempo em que a trama traz à tona o transtorno alimentar numa explícita crítica a tal corpolatria contemporânea, temos por outro lado a ratificação desses valores, com as personagens do núcleo ‘moda’ e suas silhuetas ‘slim’, mas não apenas elas. Todos os personagens da novela são magros, as crianças, as mulheres e homens de meia idade e até os idosos. Ironicamente, a única personagem que aparenta estar acima do peso e possui papel de pouco destaque na novela é a mãe de Renata, a anoréxica.

Voltando a era moderna, período cunhado por Michel Foucault de Sociedade Disciplinar, temos uma maneira diferente de se tratar os corpos. Os corpos dóceis e úteis de Foucault eram talhados ao trabalho, a produção. Os moldes e ajustes eram feitos de fora para dentro, de tanto se sentar com a postura correta na cadeira da escola, os corpos se acostumavam com a posição ereta e assim permaneciam sem que qualquer alteração se desse no seu interior, sem a ingestão de medicamentos e, ainda se estava longe das alterações em gens, no interior das células e até dos DNAs que hoje em dia se parecem comum e perto de se tornar viáveis.

Os corpos que antes eram apertados nos uniformes e nas posições, como se, ao serem colocados em uma fôrma acabassem tomando essa forma, são hoje corpos modificados de dentro para fora. Em casos como o da personagem de Viver a Vida, a desejada magreza deve ser conseguida a todo custo. Algumas anoréxicas recorrem as atividades físicas sim, porém é maior o número das que apelam para os moderadores de apetite, diuréticos e laxantes. Certamente, se pudessem retirar de seu corpo os hormônios responsáveis pela absorção de gordura, recorreriam a este método sem pestanejar.

O interior que outrora fora confundido com a alma, não se sabia onde localizá-lo mas era ele que melhor representava que se era de fato, hoje é material, físico e deve ser modificado. O que antes era oculto e não devia ser questionado, modificado, pois se tratava da essência, do que realmente se é de verdade, hoje deve ser reconfigurado para que a superfície mude de aparência. Na verdade, para as Renatas mundo a fora, pouco importam os sacrificíos a que se submetem enquanto não podemos escolher nossos corpos em lojas como se fossem roupas. Importa ser magra, vencer os limites deste corpo defeituoso que engorda, envelhece, quebra e em determinado momento para. Deve-se ser bela, magra.


Manoel Carlos deseja alertar a sociedade sobre a anorexia e escreveu a Renata. Manoel Carlos escreveu a Helena e colocou na mesma novela que Renata. A Renata deseja ser como a Helena. Nós também.

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