sábado, 5 de dezembro de 2009

O Big Brother está sempre de olho em você - Por Maíra Parreiras

George Orwell, um dos principais literatos do século XX, escreveu em 1946 o livro 1984, uma das principais obras que protestavam contra os regimes totalitários: os Fascismos, que desapareciam com a derrota do eixo na Segunda Guerra Mundial, e o Socialismo (sobretudo stalinsta), que se afirmava como modelo político comandado pela União Soviética, nação forte no período da Guerra Fria.
O livro é uma projeção do que seria o mundo no ano de 1984, dividido em 3 grandes blocos constantemente em guerra. Winston Smith, protagonista da ação, trabalha para o governo da Oceania, IngSoc, comandado pelo emblemático Big Brother, uma figura simbólica cuja representação física é estampada em todos os lugares: não importa onde você está, o Big Brother está sempre de olho em você.
Winston trabalha para o governo no ministério da verdade reescrevendo os fatos históricos, alterando dados que poderiam depor contra os interesses do partido, uma das muitas formas de manipulação exercida pelo poder central para conter revoluções. Outro exemplo de dominação é o controle da linguagem e dos sentimentos. Todo estabelecimento deveria ter uma teletela pela qual os membros mais poderosos do governo controla todas as atividades dos habitantes. A história se desenrola depois que Winston se apaixona e sente maior o desejo de se revoltar contra o controle geral exercido pelo governo.
Mas não é a história em si que interessa para esse artigo, a introdução é o ponto de partida para introduzir o estudo do corpo desse homem imaginado em contraposição ao que verificamos atualmente e que passou a ser enaltecido ao final da Segunda Guerra.
A sociedade de consumo, consolidada, sobretudo, a partir dos anos 50, dita o comportamento através da moda e da padronização física, a ciência estabelece tudo o que é certo e está sempre a serviço do “bem estar” e da “boa saúde”. A tecnologia facilita a vida cotidiana, acentua o ritmo frenético, cria artifícios para enquadrar as imperfeições nos padrões mundiais. Os homens devem ser pró-ativos (palavra cada vez mais constante nos currículos e nas entrevistas de emprego), trabalhar bem em equipes, ter raciocínio lógico e rápido, estar apto para contornar situações de crise, trabalhar bem com o público (apear de estar cada vez mais ligado a máquinas). O homem que simplesmente executa bem ordens não deve obter sucesso na sociedade do século XXI, é preciso ter um talento único além de todos os outros corriqueiros que todos tem.
Seja igual, mas destaque-se nisso. Parece ser essa a palavra de ordem pós-moderna. Você deve estar bem com você mesmo desde que isso “me” agrade, e, o maior de todos os clichês, se ame para ser amado pelos outros (que é sempre a finalidade de tudo).
Toda essa lógica parece óbvia, mas é absurda quando pensamos naquela sociedade imaginada por Orwell. Winston se vangloriava porque na sua idade (40 anos) ainda não tinha perdido todos os seus dentes, os exercícios físicos era feito em um só horário e as repetições as mesmas sempre executadas na hora exata determinada pelo governo. A aparência negligenciada uma vez que o amor é proibido, os homens só deveriam se casar para fins reprodutivos, gerando mão de obra para a guerra que durava décadas. Nesse sentido não é preciso ser bonito para você já que a sedução do outro é ilegal. A comida é também regulada pelo governo: toda a população tem direito e obrigação de consumir exatamente as porções determinadas pelo Big Brother.
A capacidade de comunicação é vista como provável tentativa de conspiração e depreciada ao invés de ser vangloriada. O trabalho em equipe era desnecessário, cada individuo desenvove seu trabalho da melhor maneira possível para servir ao Big brother, mesmo sem nunca ter visto sua figura de fato.
A linguagem era re-estudada constantemente por seu próprio ministério que reduzia ao máximo o número de palavras eliminando “sinônimos” e “antônimos” para, dessa forma, diminuir a capacidade de raciocínio da população. A comunicação é limitada e a liberdade de expressão discretamente cerceada pelo descarte de palavras “desnecessárias”.
As teletelas inibem qualquer desejo de decisão por vontade própria, todas as ações são controladas e até mesmo as atitudes suspeitas fazem com que seu autor desapareça.
O controle do pensamento fica claro no momento em que Winston é preso e sofre uma verdadeira lavagem cerebral. Isolado completamente da sociedade e de Júlia (mulher pela qual ele se apaixona) ele é torturado psicologicamente e todas suas características humanas são paulatinamente dizimadas. A policia ensina que ele deve respeitar e temer o Big Brother, mas, a cima de tudo, é preciso que ele ame o soberano que o protege do próprio homem.
O golpe final é dado na temida sala 101, um ambiente personalizado na qual cada pessoa encontra o objeto que mais lhe causa pavor, os ratos no caso do protagonista. No momento que ele é ameaçado a ter seu corpo sufocado pelos roedores ele declara que gostaria que o corpo de Júlia fosse colocado sobre o dele uma vez que ela era a culpada por tudo o que acontecera. Essa declaração, a principio feita pelo desespero, se torna realidade quando ele percebe que não se tratava de uma mentira. O último traço de diferenciação desaparece e ele admite que ama, de fato, o big brother e a terceira etapa da padronização é concluída.
As padronizações sociais descritas na ficção são bem diferentes das configurações atuais, mas a supervisão de uma entidade não corporificada voyerista que controla sempre todas as nossas ações em atitude coerciva nem tanto. Na maior parte do mundo não existe um governo ou leis explicitas para controlar o pensamento e as atividades sociais amplas, mas a liberdade não é completa. Os homens e seus corpos estão sujeitos ao controle subtendido que são cotidianamente controlados e enquadrados na vida social.

Nenhum comentário:

Postar um comentário