sábado, 5 de dezembro de 2009

O futuro da memória - Por Marília Dias

A chegada da e-memory e as transformações da vida e da forma como a vivemos
“O que aconteceria se pudéssemos acessar instantaneamente todas as informações às quais fomos expostos durante as nossas vidas?” Bill Gates
Poder guardar e rever qualquer momento da sua vida através de algum dispositivo digital a qualquer momento soa como loucura? Base para um filme de ficção futurista? Pois, acredite ou não, este futuro está mais perto do que possamos imaginar.
Gordon Bell, um dos principais pesquisadores da Microsoft, juntamente com seu colega de trabalho Jim Gemmell, vem trabalhando há cerca de dez anos em um projeto de pesquisa chamado Mylifebits. Neste projeto, todos os detalhes da vida de Bell vêm sendo arquivados em uma memória externa que pode ser acessada a qualquer instante. Bell e Gemmell afirmam que a revolução da e-memory, a memória digital, mudará todas as coisas que conhecemos e a forma como as entendemos. Em seu livro Total Recall (lançado em setembro nos Estados Unidos e a ser lançado este mês pela editora Campus sob o título O Futuro da Memória), os pesquisadores expõem a forma como acreditam que esta transformação se dará em nossas vidas e seus benefícios.



Com microcâmeras e sensores adaptados ao corpo (acoplados à roupa ou mesmo a lentes de contato), todos os dados visuais e sonoros poderão ser facilmente captados e guardados em forma de bits. Todas as saídas com amigos, aulas de faculdade, festas de natal. Batimentos cardíacos e sensações corpóreas também poderão ser registrados. E, mais que guardadas, estas lembranças poderão ser acessadas a qualquer instante. Nenhum fato será perdido ou esquecido – talvez, sim, pelo corpo físico, mas não por nossas memórias externas.
Em âmbitos de sociedade, estes aparatos tecnológicos terão conseqüências benéficas, por exemplo, para a saúde, podendo melhorar o diagnóstico do médico ao observar ele mesmo os seus comportamentos e hábitos diários. Ajudará, ainda, nas questões educacionais, posto os alunos serem capazes de rever e ouvir novamente todas as aulas e lições já presenciadas e absorver dados que passaram despercebidos. Desnecessário citar a questão da segurança pública, da solução de crimes e decisões judiciais. A palavra que hoje pode ser questionada não mais poderá ser posta em dúvida quando se puderem ver os fatos. Além disso, a revolução da e-memory possibilitará algo que soa ainda mais absurdo: ter acesso às memórias e lembranças – e a um avatar criado a partir das mesmas – de pessoas que já morreram. Desta forma, poderemos não somente ver todos os passos que percorreram nossos antepassados como também “conversar” virtualmente com os mesmos, pedindo conselhos, percebendo semelhanças, falando sobre a vida. É difícil imaginar como isso funcionaria, talvez seja algo parecido com as conversas que o Superman tinha com o avatar de seu pai na Fortaleza da Solidão. Lembrando que essa interação era fruto da sociedade altamente tecnológica a qual Superman pertencia.
A questão está muito mais relacionada ao próprio conceito de super-homem do que parece. Não possuindo super poderes, Gordon Bell e Jim Gemmel resolveram dar uma alternativa a nossa limitação física. A memória humana é falha, a e-memory não.
Os conflitos humanos, éticos e morais que podem surgir através da possibilidade de acesso a qualquer memória de qualquer ser vivente são inúmeros. O conceito de privacidade terá que ser repensado. A legislação teria que ser adaptada. A forma de enxergarmos o mundo mudará completamente. Em vez de funcionar como um mecanismo vantajoso para a população em vários aspectos, a e-memory poderia representar mais o modelo mais cruel de auto vililância. Vidas serão vistas por outra ótica, os valores serão revistos, cada ato, cada palavra terá de ser delicadamente escolhida, e os fatos que às vezes queremos esquecer – e que de fato até esquecemos – estarão para sempre lá.
Gordon Bell e Jim Gemmell nos proporcionam uma pequena mostra de como o futuro poderá ser. Parece loucura, mas é uma realidade mais próxima do que imaginamos.


Bibliografia:
KURTZWEIL, Ray. “Ser humano versão 2.0”. Folha de São Paulo, 23/03/2003; p. 4-9.
LENT, Roberto. “Não é mais ficção”. (Entrevista realizada por Daniela Pinheiro). Revista Veja. São Paulo, 27 de setembro de 2006.
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL, edição 59 – Abril 2007
SIBILIA, Paula. “Clique aqui para apagar más lembranças: A digitalização do cérebro em busca da felicidade”. In: FREIRE FILHO, João; PAIVA, Raquel; COUTINHO, Eduardo (Orgs). Mídia e poder: Discurso, ideologia e subjetividade. Rio de Janeiro: Ed Mauad X, 2008; p. 157-185

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